Título: Um milhão vai às ruas contra a Síria
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/03/2005, Internacional, p. A10

Manifestação em Beirute é a maior já realizada no país e, pela primeira vez, conta com a adesão maciça dos sunitas

AFP Multidão se concentrou na Praça dos Mártires e nas imediações. Local fica próximo ao túmulo de Rafik Hariri

BEIRUTE - O centro da capital libanesa foi tomado ontem pelas cores vermelha, branca e verde, as da bandeira nacional, no dia em que o atentado que matou o ex-premier Rafik Hariri completou um mês. A manifestação, contra a presença das tropas sírias, foi a maior já realizada no Líbano. Estimativas indicam que quase 1 milhão de pessoas - de um total de 4,5 milhões no país - participaram do protesto, ultrapassando os recentes comícios pró-Síria organizados pelo grupo militante Hisbolá, que semana passada reuniram cerca de 500 mil.

Manifestantes vieram do Norte e do centro em ônibus, caminhões e até em barcos, lotando a praça dos Mártires, próxima ao túmulo de Hariri. Diferentemente dos outros atos contra Damasco, muçulmanos sunitas se uniram maciçamente a cristãos e drusos nas ruas. O ex-premier morto era sunita.

A população carregava cartazes com a foto de Hariri e a bandeira libanesa, aos gritos de ''verdade, liberdade e unidade nacional'', enquanto exigia uma investigação internacional do atentado e a demissão de chefes de segurança pró-Síria.

- É nosso direito saber quem matou Rafik Hariri - reivindicou o sunita Mustapha Mrad, que usava um broche do ex-premier na jaqueta.

Ontem, o jornal britânico The Independent revelou que a equipe das Nações Unidas (ONU) envolvida na investigação encontrou evidências de que tentou-se encobrir a responsabilidade de autoridades no caso. Segundo o diário, o presidente George Bush dará declarações amanhã afirmando que agentes sírios e talvez também libaneses estiveram envolvidos no assassinato.

A equipe da ONU, liderada pela Irlanda e que conta com especialistas suíços, detectou que muitos dos carros que faziam parte do comboio de Hariri foram retirados da cena do crime poucas horas depois do ataque.

Além disso, os primeiros relatórios desafiam as evidências de que o ex-premier e outras 18 pessoas foram mortas por um carro-bomba, afirmou o correspondente do jornal para o Oriente Médio, Robert Fisk. A equipe acha possível que os 600 kg de explosivos usados no atentado tenham sido enterrados sob a rua. Chegou-se a esta hipótese a partir de uma foto do dia 12 de fevereiro entregue à ONU, que mostra um ''misterioso objeto'' perto da cobertura de um cano de esgoto.

Também de acordo com o correspondente, os dois filhos do ex-premier deixaram o Líbano depois de denúncias de que correm risco de vida.

Em discurso ontem durante o protesto, Bahiya Hariri, irmã do ex-premier e membro do parlamento libanês, fez duras críticas às autoridades pró-Síria, mas foi vaiada pela multidão quando estendeu a mão ao governo de Damasco e ao Hisbolá, considerando-os os principais aliados de Beirute.

- Estaremos ao lado da Síria até que sua terra seja liberada e que retome a soberania nas Colinas de Golã, ocupadas por Israel - disse.

Num tom menos conciliador, o político cristão Carlos Edde pediu a renúncia do presidente Émile Lahoud:

- Peço à Vossa Excelência que atenda a demanda de todos os libaneses: deixe-nos descansar - disse, levando o público ao delírio.

Declarações como esta prometem complicar a já difícil missão de Omar Karami, premier pró-Sírio reconduzido, de formar um novo governo com membros da oposição.

A intensificação e a crescente adesão da população aos protestos, tanto contra quanto a favor da manutenção dos soldados sírios no país - que antes somavam 14 mil -, vêm aumentando o temor de que terminem em violência. Por este motivo, a demonstração de ontem pode ter sido a última, já que as autoridades avaliam proibi-las.

Tanto o presidente Lahoud quanto o líder opositor católico Nasrallah Sfeir têm defendido o diálogo como alternativa aos protestos para se sair da crise.

- Há uma genuína e enorme divisão no Líbano entre aqueles que querem que os sírios fiquem e os que querem que saiam - comentou Anthony Harris, ex-embaixador britânico que viveu no Líbano.

As forças sírias devem completar a primeira fase de um processo de duas etapas de retirada nos próximos dois ou três dias, revelou uma fonte de segurança libanesa.