Título: De olho no Vaticano
Autor: Deonísio da Silva
Fonte: Jornal do Brasil, 15/03/2005, Outras Opiniões, p. A13

Não deixo de dizer o quanto me decepcionou a abominável perseguição a Leonardo Boff

O mundo inteiro, mas especialmente o Brasil, por ser a maior nação católica do mundo, está de olho no que parece ser a etapa final da vida de João Paulo II. Eleito em 1978, sucedendo a João Paulo I, papa por apenas 33 dias, o cardeal polonês Karol Wojtyla, seu nome civil, está há mais de um quarto de século no poder.

Talvez apenas Fidel Castro esteja há mais tempo, pois o supremo poder, que arrebatou na Revolução de 1959, já sobreviveu a três papas, cujos pontificados são vitalícios como o dele.

Apesar de todas as imposições, decorrentes de uma instituição autoritária como a Igreja, controvérsias infestam os bastidores em amenas digressões ou sinistros conciliábulos.

Como esta página é de opiniões, não deixo de dizer o quanto me decepcionou, como intelectual, católico e catarinense, a aleivosa e abominável perseguição a meu conterrâneo Frei Leonardo Boff, patrocinada pela Santa Sé, que o levou a abandonar a ordem franciscana, depois de cumprir a pena de ''silêncio obsequioso''(reparem na cruel ironia da punição).

O principal responsável pela perseguição a Boff foi João Paulo II. As perseguições, ainda que muito disfarçadas, têm sempre o principal responsável, no mundo dos clérigos como no dos leigos. Se o presidente Lula e outros hierarcas do Partido dos Trabalhadores, ora no poder, não se omitissem ou não estivessem por trás das condenações, a senadora Heloísa Helena, a mais votada em toda a história republicana, e a deputada federal Luciana Genro, filha do ministro Tarso Genro, da Educação, não teriam sido expulsas do PT.

Certas questões religiosas ganham entre nós uma relevância que não têm em outros países. Fernando Henrique Cardoso perdeu as eleições para a Prefeitura de São Paulo porque não quis responder ao jornalista Boris Casoy se acreditava em Deus. Aprendeu a lição e elegeu-se presidente da República. Uma vez lá, fez como a maioria, tratando o poder como deliciosa sobremesa que é sempre bom repetir. Hoje, desejoso de voltar ao Planalto para o terceiro mandato, talvez acredite até na santa da vidraça, que apareceu em Ferraz de Vasconcelos, no interior de São Paulo.

Uma das maiores autoridades em engenharia de materiais, o doutor Edgar Dutra Zanotto, atendendo a pedido de um bispo - bispo de verdade, não desses que roubaram o título da Igreja e se dizem bispos sem fazer o percurso dos outros -- elaborou um laudo técnico e científico, garantindo que ali não houvera milagre nenhum.

João Paulo II despertou grandes controvérsias. Por muito menos, Dante Alighieri, na Divina Comédia, colocou o papa Celestino V no Inferno, o que pouco adiantou, pois no século seguinte ele foi levado à honra dos altares. De todo modo, ficou para sempre a discrepância: é santo, canonizado direitinho, um homem que um dos maiores escritores de todos os tempos pôs no Inferno.

O papa é controvertido. Em 1986 convidou - muitos jornalistas escreveram ''convocou'', mas ele não tem poder de convocar os convidados - muçulmanos, cristãos ortodoxos, protestantes, hindus, xintoístas e destacados membros de muitas outras religiões para orarem pela paz na cidade de Assis, terra de São Francisco, o fundador da ordem franciscana, a mesma de Leonardo Boff.

O cardeal Pedro Morrone, o papa que Dantes pôs no Inferno, foi eleito aos 79 anos, depois de um conclave que durou 27 meses. Ficou apenas cinco meses no poder. Um ano e cinco meses depois de renunciar, morreu.

João Paulo II já avisou que não renuncia. Vai até o fim. Nenhum papa adotou até hoje o nome de Pedro, o primeiro. Quem sabe o próximo o faça.