O Estado de São Paulo, n. 46502, 10/02/2021. Política, p. A4

STF garante a Lula acesso a mensagem da Lava Jato
Rafael Moraes Moura
10/02/2021



Spoofing. Segunda Turma da Corte confirma compartilhamento com petista de diálogos atribuídos a Moro e procuradores; decisão precede análise de pedido de suspeição de ex-juiz

Novato. Indicado por Bolsonaro, ministro Nunes Marques votou por manter o acesso da defesa de Lula às mensagens

Em uma nova derrota da Operação Lava Jato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por 4 a 1, manter o acesso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à íntegra do material apreendido na Operação Spoofing. A investigação mirou o grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades, atingindo o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e procuradores que atuaram na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

O julgamento foi marcado por duras críticas dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski às mensagens atribuídas a Moro e aos investigadores, reforçando o discurso de que o então magistrado agiu com parcialidade no processo. A discussão deve ter reflexos em outro caso: o que trata da suspeição do exjuiz ao condenar Lula na ação do triplex do Guarujá (SP).

Nos bastidores do STF, a sessão foi vista como uma espécie de "prévia" do julgamento da suspeição de Moro, que deve ocorrer ainda neste semestre.

A discussão na Segunda Turma também mostrou o isolamento do relator da Lava Jato, Edson Fachin, único voto favorável ao recurso apresentado pelo grupo de procuradores capitaneado pelo ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.

"Já é possível depreender o funcionamento de uma certa combinação institucionalizada e permanente, a serem verdadeiras as mensagens, entre o juiz e os ex-membros da força tarefa", criticou Gilmar. "A extrema gravidade dos acontecimentos perpetrados exige que se confira à defesa o direito de questionar e impugnar eventuais ilegalidades processuais que se projetam como reflexo da atuação coordenada entre acusação e magistrado", frisou o ministro, em referência ao habeas corpus em que Lula acusa Moro de agir como um "inimigo".

Gilmar e Lewandowski são dois dos principais expoentes da parte crítica à Lava Jato no tribunal – e integrantes da ala garantista, mais propensa a acolher pedidos de investigados. No julgamento, os dois ministros intensificaram os ataques à atuação de Moro e da força-tarefa coordenada por Dallagnol, indicando os futuros votos pela suspeição do ex-juiz.

Os procuradores pediram ao Supremo a derrubada da decisão de Lewandowski ou que Lula fosse obrigado a devolver as mensagens já obtidas. Também queriam que a Corte impedisse o ex-presidente de usar o conteúdo vazado "para qualquer finalidade que seja, inclusive defesas judiciais" – apenas o ministro Fachin se posicionou a favor desse último pedido, até uma decisão do plenário sobre a validade das provas.

Legitimidade. Prevaleceu no julgamento o entendimento de que o grupo de procuradores não tinha legitimidade para contestar a decisão de Lewandowski – papel que caberia à Procuradoria-geral da República (PGR).

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao STF, o ministro Kassio Nunes Marques concordou com a rejeição do recurso, mas observou que não estava fazendo "qualquer juízo de mérito acerca da validade ou autenticidade" do material.

A ministra Cármen Lúcia foi na mesma linha. "A polícia tem acesso aos dados, o Ministério Público tem acesso aos dados, e a defesa não tem acesso aos dados?", questionou ela.

O objetivo da defesa de Lula é fazer um pente-fino nas mensagens para tentar reforçar as acusações contra Moro. Para o advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do petista, o material não diz respeito à intimidade de procuradores. "Estamos falando aqui da prática de atos processuais clandestinos para esconder relações espúrias", disse.

Já o advogado dos procuradores, Marcelo Knopfelmacher, ressaltou que Lula não foi vítima da Operação Spoofing nem teve o aparelho hackeado. Após o julgamento, Moro divulgou nota na qual afirma que "nenhuma das supostas mensagens retrata fraude processual" ou "incriminação indevida de algum inocente".

PRESTE ATENÇÃO

1. Operação Spoofing. Em julho de 2019, a PF prendeu quatro suspeitos de invadir celulares de autoridades, incluindo o ex-juiz e então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol.

2. Mensagens. Um mês após a operação da PF, o site The Intercept Brasil passou a divulgar mensagens atribuídas a Moro e a procuradores da Lava Jato em que são discutidas investigações da operação.

3. Acesso. Em dezembro de 2020, após pedido de Lula, o ministro do STF Ricardo Lewandowski mandou a 10.ª Vara Federal Criminal do DF compartilhar mensagens apreendidas na Spoofing com o petista.

4. Confirmação. Ontem, em uma derrota da Lava Jato, a Segunda Turma do STF manteve a decisão de Lewandowski que garantiu a Lula o acesso às conversas. Em nota, procuradores classificaram a tese de perseguição ao petista como "farsa".

5. Suspeição. Lula pretende usar as mensagens para reforçar a tese de que Moro foi parcial ao condená-lo na ação do triplex do Guarujá. O julgamento sobre a suspeição do ex-juiz pode ser retomado no STF neste semestre.

6. 'Origem ilícita'. Moro nega parcialidade e diz não reconhecer a autenticidade das mensagens – o ex-juiz da Lava Jato e procuradores criticam o uso do material sob alegação de que ele tem "origem ilícita".