O Estado de São Paulo, n. 46503, 11/02/2021. Política, p. A8

Ministros veem risco de censura no 'direito ao esquecimento'
Paulo Roberto Netto
11/02/2021



Nunes Marques, Moraes e Rosa Weber votam contra a possibilidade de pessoa requerer exclusão de conteúdo

O risco de censura e o cerceamento ao acesso à informação basearam ontem o voto de três ministros do Supremo Tribunal Federal que se manifestaram contra o reconhecimento do chamado direito ao esquecimento. Para Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, um entendimento que valide a possibilidade de uma pessoa requerer a retirada de um conteúdo antigo, ainda que verdadeiro, pode atingir diretamente o trabalho da imprensa e a liberdade de expressão.

O caso começou a ser julgado na semana passada, com a leitura do voto do ministro Dias Toffoli, relator do processo. Para ele, o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição e poderia restringir "direitos da população de serem informados sobre fatos relevantes da história social".

O recurso em discussão envolve uma ação movida pela família de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime teve ampla cobertura midiática à época e, em 2004, foi reconstituído pelo programa Linha Direta, da TV Globo. Inicialmente, a família de Aída solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo direito ao esquecimento do caso. A justificativa é de que a lembrança do episódio causou sofrimento aos familiares.

O caso foi retomado ontem com os votos de mais quatro ministros. Kassio Nunes Marques foi o primeiro a votar. "A liberdade de expressão é ampla e não pode ser limitada previamente. Não vislumbro nenhuma possibilidade de se extrair do texto da Constituição norma, seja sob que determinação for, que proíba a veiculação da notícia em si ou que exija autorização prévia dos envolvidos", disse.

Alexandre de Moraes afirmou que a existência de um "genérico, abstrato e amplo direito ao esquecimento" seria equivalente à "censura prévia" por parte do Judiciário. Para Rosa Weber, o julgamento não busca colocar a liberdade de expressão em suposta posição de supremacia ao direito à privacidade, mas sim "delimitar os campos próprios a cada posição".

Até o momento, o ministro Edson Fachin é o único que reconheceu a existência do direito ao esquecimento. No entanto, destacou que o caso de Aída Curi não se enquadra neste contexto, pois a reportagem em questão apenas registrou a trágica realidade da época e do crime.

Sessão

O julgamento será retomado hoje com a leitura dos votos de cinco ministros: Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e o presidente do Supremo, Luiz Fux.