Título: A madrugada do abandono
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, Rio, p. A9
Idosos enfrentam a noite na calçada para retirar senha de atendimento em posto do INSS Para escapar de uma fila quilométrica, o auxiliar de cozinha José Duarte Sobrinho, 64 anos, acordou bem cedo. Às 2h de ontem, ele saiu do barraco onde mora com uma filha e o neto, na Favela Pavão-Pavãozinho, para uma agência do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), em Copacabana. A pressa o impediu de tomar café, mas garantiu o primeiro lugar na fila. Eram 3h quando José chegou no posto para tentar, pela segunda vez, dar entrada em sua aposentadoria. Pouco antes das 6h, José já divida a fila com outras dezenas de pessoas. Toda vez que a fila aumentava, ele se animava por ter sido o primeiro a chegar. Acordar cedo, para ele, não é novidade. Foi assim nos anos a fio em trabalhou na colheita de milho e feijão, no interior do Ceará. ¿ Na primeira vez que estive aqui, começaram a fazer as minhas contas, mas quando chegou a hora de falar com a assistente social, ela tinha ido embora ¿ contou José, depois do primeiro atendimento.
A decisão da costureira Sebastiana Eliene da Silva, 46 anos, de assinar a carteira de trabalho de duas funcionárias da sua confecção, também fez com que ela chegasse cedo. Na terça-feira, ela esteve na agência para saber como agir, mas foi atendida por um funcionário ¿mal-educado¿.
¿ Perguntei ao vigilante: ¿moço, como faço para conseguir senha para ter direito a autonomia¿. Ele respondeu: ¿em primeiro lugar, bom dia¿. Pedi desculpas e depois ouvi a orientação: ¿chega amanhã bem cedo¿. Depois, ele virou de costas e se foi ¿ indigna-se a costureira.
Enquanto a fila aumentava, mulheres e homens, a maioria idosos, reclamavam da falta de informações. Não se sabia quantas senhas seriam distribuídas. Na portaria, não havia cartaz com informações. Quem já está acostumado a esperar ensina os inexperientes. Mas as informações são desencontradas: comentam o limite de 10 ou 20 atendimentos para cada serviço, parte pela manhã e o restante à tarde.
Como a maioria esperava na fila em pé, algumas não resistiam às dores nas pernas e sentavam-se no chão. Além dos idosos, grávidas e portadores de deficiência física também buscavam ajuda para amenizar a espera.
¿ Sou hipertensa e não consigo ficar muito tempo em pé, estou com as pernas dormentes ¿ reclamava Ana Maria da Silva Rodrigues, 67 anos, que tentava dar entrada na sua aposentadoria.
Moradora de Campo Grande, Maria dormiu na casa da irmã, no Rio Comprido, para tentar chegar cedo em Copacabana.
¿ Saímos de lá às 6h10, não podíamos arriscar e sair mais cedo. É perigoso por causa dos tiroteios ¿ diz Maria.
O medo da violência também levou uma psicóloga, moradora de Copacabana, a esperar dentro de um táxi pelo início da aglomeração.
¿ Fiquei observando. Quando o primeiro da fila chegou, tomei coragem para ficar. Ainda eram 3h06 ¿ lembra a psicóloga, que também daria entrada na aposentadoria.
Aos 80 anos, o aposentado Lourenço Silva, que chegou no local às 5h30, aguardava inconformado o momento de ser atendido.
¿ A minha aposentadoria é de R$ 657 e só recebi este mês R$ 501 ¿ protestava Lourenço.
O drama de quem passou a madrugada na fila não terminou com a distribuição das senhas, às 8h. Mesmo sendo o primeiro da fila, José só deveria ser atendido depois das 12h. O motivo, segundo informações dos funcionários do INSS, era a ausência da única assistente social, que só chegaria naquele horário. Enquanto a equipe do JB permanecia no local, as senhas eram distribuídas sem problemas. No entanto, 15 minutos depois da saída da reportagem, as senhas para determinados serviços já estavam esgotadas.
Por volta das 11h, quando o JB retornou ao posto, muitas pessoas ainda aguardavam pelo atendimento. Os computadores estavam fora do ar. Perplexos, os contribuintes diziam que, depois de horas na fila, eram orientados a ir para casa e voltar hoje.
¿ Isso é uma vergonha. O povo não pode ser tratado dessa maneira. Para pegar uma informação para minha vizinha, mandaram que eu voltasse amanhã e entrasse na fila ¿ indigna-se Maria Helena de Carvalho, 77 anos, ex-funcionária do INSS.
Segundo a Datapreve, que dá assistência tecnológica à Previdência Social, um problema no programas do Sistema Nacional de Cadastro e de Benefício causou a interrupção no funcionamento do sistema, entre 10h50 e 12h15.
De acordo com a assessoria de comunicação da Previdência Social, na unidade de Copacabana são distribuídas 70 senhas para o serviço de arrecadação, 55 para quem vai requerer benefícios e 10 para assistência social. Não há limite para pedido de informações, que podem ser obtidas também no site www.previdencia.gov.br ou pelo PrevFone (0800-780191). O estado do Rio tem 90 agências e, na capital são 25.