Título: Coalizão e governabilidade
Autor: Paulo Lustosa
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, Outras opiniões, p. A11

O ''fator Severino'', assim posto pela mídia como sinal de desarranjo político do governo Lula, foi o que se convencionou chamar de tempestade em copo d'água. Tratou-se, afinal de contas, da eleição de um integrante da base aliada do governo para a presidência de uma das Casas do Legislativo, a Câmara dos Deputados. Não era o candidato oficial, mas está longe de ser um adversário - ou um problema.

O que preocupa não é a imprevisibilidade de sua eleição, mas a disfuncionalidade de um sistema político que não oferece garantia na sustentação parlamentar do governo. A base parlamentar governista sente-se precariamente representada no governo Lula.

Não se trata, como se difunde com alguma leviandade, de carência de cargos ou vantagens. Ainda que se multiplicassem os cargos, o quadro, na essência, não mudaria. Os parlamentares, em sua maioria, não buscam vantagens fisiológicas, mas, sim, condições de influir nas decisões políticas. Querem ser co-partícipes na gestão do poder. Afinal, o eleitor cobra do parlamentar governista a conta das decisões do governo. Quando ele não influi nessas decisões e é obrigado a arcar com suas conseqüências - caso da atual base aliada -, tende a se rebelar e a negar apoio. Eis aí a gênese do ''fator Severino''.

O governo Lula é de alianças, não de coalizão. Entre ambos, há uma colossal diferença. No de alianças, trocam-se cargos por apoio. No de coalizão, os aliados sentem-se no governo, co-responsáveis por sua gestão e, em decorrência, engajados até a medula no processo de governabilidade. O que se tem hoje é um governo do PT, coadjuvado por outros partidos, sem que a proporcionalidade das bancadas seja levada em conta e sem que a cada um desses coadjuvantes seja dado o acesso aos centros de decisão.

O PMDB é hoje o maior partido na Câmara e no Senado. Detém, pois, a responsabilidade maior no processo de governabilidade. Não obstante, possui tantos ministros quanto o PC do B, que é uma das menores bancadas da Câmara e nem sequer existe no Senado.

Nada contra o PC do B, cujos integrantes respeito e admiro. Faço a comparação para mostrar que, num governo de alianças, os partícipes se alinham de forma desconjuntada, desproporcional à sua representatividade, o que resulta em comprometimento precário. Não conferem ao governo a consistência política de que carece para exercer com segurança e tranqüilidade a gestão do país.

Num governo de coalizão, a composição ministerial obedece ao critério de proporcionalidade. Não é esse ou aquele personagem que é chamado a compor o ministério, mas o partido do qual provém. Ainda que a nomeação caiba ao presidente da República, os escolhidos expressam um compromisso da coletividade partidária.

Sabemos que o PMDB, por suas dimensões, tornou-se um partido heterogêneo, uma federação de interesses, nem sempre harmônicos. É o que no passado se chamava de partido regional: a seção gaúcha é diferente da cearense, que, por sua vez, é diferente da baiana, e assim por diante. O único modo de unir essas tendências, na ausência de uma liderança nacional como foi Ulysses Guimarães, é o compromisso comum com o governo, algo que somente a coalizão estabelece.

A eleição de Severino Cavalcanti confirma esse ponto de vista que tenho defendido em todas as instâncias partidárias e no âmbito do próprio governo Lula, que tenho a honra de integrar. A iminência de nova reforma ministerial é ocasião oportuna para a adoção desses princípios, que, sem dúvida, darão ao governo e ao país a tranqüilidade indispensável ao cumprimento de suas metas e compromissos.