Título: Decisões trágicas
Autor: José Agripino
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, Outras opiniões, p. A11

Preocupa-me nosso estado de letargia com a política de juros do Banco Central. Algumas decisões trágicas da área econômica, reiteradas a cada mês, viraram rotina e deixaram de provocar reações indignadas. Há um ano, quando aumentavam a taxa de juros em 0,5% ou 0,25%, a imprensa ouvia os líderes do governo, da oposição, as lideranças empresariais, os sindicalistas. Havia uma manifestação crescente de setores organizados da sociedade.

Hoje fazem reuniões do Comitê de Política Monetária, elevam a taxa de 18,25% para 18,75%, e nada acontece. Aparentemente não há conseqüências para a economia do país nem para a vida dos brasileiros. ''Morreu um gato'', como diria o ditado popular. E já são seis meses de aumentos consecutivos. Talvez decisões como a tentativa de censura ao IBGE, a ida de ministro à China para ''aprender direitos humanos'', as brigas internas do PT, leviandades ditas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estejam ofuscando as ações do Banco Central.

Mas, vamos aos fatos. A justificativa para o aumento dos juros, o combate à inflação, é supostamente nobre. Mas seus resultados são nefastos. O primeiro deles é a queda na cotação da moeda americana com conseqüente prejuízo para as exportações, atingindo em cheio a agricultura.

Expliquemos. Quem possui dólares no exterior hoje os aplica a no máximo 3% na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Esse investidor, proprietário de capital especulativo, atraído pela taxa de 18,75% paga pelo governo brasileiro, transfere seus dólares para cá. Faz o que mercado financeiro chama de swap de curto prazo.

O dólar é transformado em real e aplicado no mercado doméstico às taxas comandadas pelo Banco Central. E o que acontece? Dólar muito ofertado, junto com os dólares das exportações, derrubam a cotação da moeda com prejuízo para as vendas ao exterior. Já se começa a perceber o desastre que se avizinha, mas o governo está surdo ao apelo de setores como o da agricultura. A taxa Selic, neste momento, sem que ninguém comente, está levando - no curto e médio prazo - à perda de empregos na atividade que no ano passado foi a grande responsável pelo crescimento do PIB do país.

Segunda conseqüência: a dívida brasileira anda à volta dos R$1,078 trilhões, com a dívida interna alcançando os R$ 826 bilhões. O governo, pelo seu marketing (sempre o marketing), a toda hora alardeia que está comprando dólares, aumentando as reservas cambiais, diminuindo a dívida atrelada ao dólar, enfim, tudo sob rigoroso controle. Parece até que a dívida hoje não é muito maior do que a que Lula encontrou. Mas é. E o pior, deixa parecer que os aumentos da Selic todo mês não vão dar em nada.

Ocorre que a maior parte da dívida interna brasileira é regida pela taxa Selic. E quanto significa 0,5% de R$ 826 bilhões? São R$ 4,1 bilhões de aumento da dívida interna de uma canetada só. E pelo que as atas do Copom prenunciam, vem mais por aí.

Então, o que fazer? Um governo responsável diminuiria os gastos, eliminaria o supérfluo, daria exemplo. Pouparia para dar satisfação à opinião pública. Infelizmente não é o caso. O ''AeroLula'' está aí, comprado por US$56 milhões , num espetáculo de perdularismo desnecessário.

Por último, a contratação de 834 servidores para cargos de confiança só no Palácio do Planalto. E o pior, a maioria desses 834 novos funcionários é de petistas vindos de Goiânia, São Paulo e Porto Alegre, onde o PT perdeu as prefeituras.

Como o governo já mostrou que não vai poupar, não tem outra, vai ter que cortar nos investimentos para equilibrar a conta. Aí é esperar: menos programas sociais, menos infra-estrutura, menos crescimento sustentado. Lamentável conclusão: juro alto, dólar baixo, emprego e renda na agricultura em queda. Ou seja, este é o governo que bloqueia emprego e que opta por pagar juros a quem tem dinheiro para ganhar dinheiro com dinheiro.

No meio disso tudo e por conta disso tudo, a última do governo Lula. A título de equilibrar as contas pela minúscula correção da tabela do Imposto de Renda, o governo editou a Medida Provisória 232. Pretende jogar uma carga nova sobre o contribuinte, principalmente o empregador, prestador de serviços. Na ponta do lápis, a MP 232 é mais uma vez a conseqüência prática da correção da inflação pela via da subida de juros. Pelas últimas contas, se a MP 232 fosse aprovada, no balanço entre perdas e ganhos, uma arrecadação maior de pelo menos R$ 1 bilhão.

Como no caso do fim da cumulatividade da Cofins, onde uma boa intenção escondia a gulodice fiscal, o governo mais uma vez vai tentar vender gato por lebre. Mais uma vez vai encontrar o PFL pela frente.