Título: Ministério quer tirar hospitais do Rio
Autor: Vivian Rangel
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, Rio, p. A15

União dará entrada em processo para que prefeitura deixe de gerir verbas do Sistema Único de Saúde; secretário acredita em acordo Um mês e meio depois de iniciadas as negociações entre a Prefeitura do Rio e a União, o Ministério da Saúde anunciou ontem que acabaram as chances de firmar um acordo com o município para resolver a crise da saúde no Rio. O ministério vai entrar com um processo, no próximo dia 17, para tirar da prefeitura a gestão plena dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Se o pedido do ministério for aceito, na prática o governo do estado ou a União vai assumir o comando de cerca de R$ 780 milhões anuais repassados a hospitais federais municipalizados, unidades públicas da rede municipal e hospitais particulares. A prefeitura passaria a atuar como um prestador de serviços, sem qualquer autonomia sobre as verbas do SUS.

O processo será analisado por uma comissão tripartite formada por representantes de secretarias estaduais de Saúde, do ministério e do Conselho Nacional de Saúde. O Estado do Rio também será consultado se aceita gerir os recursos da rede muncipal. Caso contrário, a União vai assumir a gestão da verba doSUS.

- É impossível continuar as negociações. A rede está em crise e o que o governo municipal quer é a liberação de recursos sem garantias. Já havíamos chegado a um acordo e hoje (ontem) a prefeitura apresentou novas exigências - declarou Arthur Chioro, diretor do departamento de Atenção Especializada do ministério. Ele acusa o prefeito Cesar Maia de querer usar a verba para a construção de novos hospitais em vez de resolver os problemas das unidades existentes.

No entanto, o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, disse ontem que ainda acredita na possibilidade de firmar o acordo com a União.

- Isso é apenas um estresse nas negociações, uma etapa para chegarmos ao acordo. Já vi negociações serem interrompidas de maneira mais ruidosa. A proposta de passar os hospitais para o estado é tão irresponsável que eu duvido que o Lula faça isso - declarou Ronaldo.

Segundo o secretário, a causa do impasse nas negociações foi a correção das verbas de custeio para as unidades federais municipalizadas. O município alega que necessita de R$ 24 milhões por mês para custear 28 unidades e que o ministério repassa apenas R$ 14,6 milhões mensais. A prefeitura então propôs que o governo federal assumisse os hospitais da Lagoa, de Ipanema e do Andaraí - de alta complexidade - para reduzir sua despesa.

- Este último eles não aceitaram - disse Ronaldo.

O ministério, porém, alega que foram feitas exigências descabidas, entre elas, os pedidos de mais R$ 17 milhões para reposição pessoal para três hospitais que não constam na lista de contratos de municipalização e mais R$ 114 milhões por ano para cobrir gastos de custeio em suas unidades que desde 1995 estão sob a gestão do município, como bem entender.

Para o presidente do Sindicato dos Médicos (SinMed), Jorge Darze, a decisão do ministério é o reconhecimento de que a secretaria não tem competência para gerir a rede.

- É um remédio amargo mas necessário - resumiu Darze.

Diretor do Conselho Municipal de Saúde, Adelson Alípio aprovou a decisão do ministério. Ele lembra que, ao contrário do que ocorre em outros município, o conselho carioca pediu a quebra da gestão plena.

- Já ficou claro que Cesar Maia não quer negociar. A prefeitura tem um descompromisso com a população - declarou Alípio, lembrando que o órgão já havia feito o pedido de intervenção na gestão plena na semana passada.

Ainda ontem, às 21h, Chioro iria se reunir com o secretário-executivo de Atenção à Saúde do ministério, Jorge Solla, e o secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino. O intuito era o de estudar as medidas legais para iniciar o processo de retirada da gestão plena do SUS das mãos do município.

Chioro lembrou que na ocasião em que o Ministério da Saúde retirou a gestão plena do SUS da Prefeitura de São Paulo, durante a administração de Paulo Maluf, a rede municipal daquele município enfrentou graves problemas.

- A situação foi trágica - advertiu Chioro.

No início deste ano, o prefeito Cesar Maia anunciou que a saúde era o ponto fraco de seu novo mandato, que começou em janeiro. A crise se agravou quando o Conselho Regional de Medicina (Cremerj) apresentou uma denúncia ao Ministério Público contra o decreto, de autoria do prefeito, que proíbe a transferência de servidores da prefeitura para unidades de saúde federais administradas pelo município. Dias depois, o Cremerj entregou ao Ministério Público relatório sobre irregularidades nos hospitais do Andaraí, Miguel Couto, na Gávea, e Cardoso Fontes, em Jacarepaguá. O Cremerj e o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SinMed) pediram a intervenção do Ministério da Saúde na gestão dos hospitais municipais.

No dia 2 de fevereiro, o ministro da Saúde, Humberto Costa, esteve no Rio e descartou a possibilidade de intervenção federal. Após encontro com o prefeito Cesar Maia e o secretário de Saúde Ronaldo Cezar Coelho, ficou decidido que governo federal e prefeitura iriam debater a criação de um fundo metropolitano de saúde para atender aos possíveis problemas orçamentários de municípios do Grande Rio. O ministro cogitou interromper a gestão plena da prefeitura sobre os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). No dia seguinte, ele disse estar disposto a renegociar a municipalização.

No dia 12 de fevereiro, a prefeitura acusou o ministério de não honrar os contratos. Este mês, Cesar Maia disse que o Ministro da Saúde estava mentindo sobre a dívida do governo federal com a prefeitura. O ministro pediu que Cesar confirmasse em juízo as declarações. No dia 4, o Conselho Municipal de Saúde retirou do município a gestão dos recursos do Sistema Único de Saúde.