O Estado de São Paulo, n. 46505, 13/02/2021. Economia, p. B3

Bolsonaro indica mexer em LRF para reduzir diesel
Emilly Behnke
Adriana Fernandes
13/02/2021



Pressionado por caminhoneiros, Planalto avalia brecha com novo estado de calamidade

O presidente Jair Bolsonaro sinalizou ontem que pode usar um novo estado de calamidade para suspender trecho da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que obriga compensação para cortar tributos. Com a medida, ele ficaria livre para reduzir o Pis/cofins sobre combustíveis num aceno aos caminhoneiros.

“Pessoal reclama: ‘você não reduziu imposto’. Para eu reduzir, pela Lei de Responsabilidade Fiscal que existe, eu tenho que arranjar o que eu reduzir aqui em outro lugar. Eu tenho que fazer a compensação”, disse Bolsonaro a apoiadores na porta do Palácio da Alvorada. “Eu quero ver se, no caso que nós vivemos, já que muita gente fala que, situação crítica que vivemos, em parte eu considero, se eu posso reduzir, por exemplo, o Pis/cofins no combustível e sem a compensação.”

Na quinta-feira, durante sua live semanal, Bolsonaro disse estar em uma “queda de braço” com a equipe econômica sobre a redução do Pis/cofins. “Pode ser que exista cláusula de excepcionalidade para isso”, comentou. A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que, para reduzir um tributo, o governo precisa compensar essa receita a menos, aumentando outro imposto ou reduzindo isenções. A possibilidade de usar o estado de calamidade para permitir o corte de impostos é criticada por especialistas (mais informações nesta página).

Além da LRF, a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2021 determina que as proposições legislativas que, direta ou indiretamente, autorizem redução de receita ou aumento de despesa da União deverão ser acompanhadas de demonstrativo do impacto orçamentário. A proposta deverá demonstrar a ausência de prejuízo para o cumprimento da meta fiscal, que permite um rombo de até R$ 247,1 bilhões nas contas do governo neste ano.

Segundo apurou o Estadão, atender a demanda do presidente é considerada difícil na área econômica, mas avalia-se que, juridicamente, seria possível fazer algo alterando algumas leis, como o Orçamento que ainda não foi aprovado. A “PEC de guerra”, que vai permitir a retomada do auxílio emergencial, admitem as fontes, poderia resolver tudo juridicamente.

Um dos caminhos em análise pode ser suspender o inciso primeiro do artigo 14 da LRF. Por esse artigo, a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício tributário que implique renúncia de receita deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e pode ser feita se for considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, desde que não afete as metas de resultados fiscais previstas no Orçamento. A vantagem, nesse caso, é que a lei orçamentária não foi votada e a meta fiscal da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias) também pode ser alterada.

Austeridade fiscal. Um entrave é que a medida vai na contramão do discurso de austeridade fiscal da equipe econômica, com a perda de arrecadação (a União abriria mão de parte dos tributos que recolhe) e piora do resultado das contas públicas. Bolsonaro voltou a citar ontem que, para reduzir em R$ 0,01 a cobrança do imposto, é necessário compensar R$ 700 milhões nas contas públicas. Ele citou em especial o cálculo do preço do óleo diesel, principal reivindicação de caminhoneiros.

“Atualmente, o diesel está em R$ 0,33, vezes 700, dá uns R$ 23, R$24 bilhões. Vou tirar de onde? Tem que aumentar imposto onde? Inventar uma CPMF? Não dá. Trocar seis por meia dúzia?

Cobrir um santo e descobrir o outro?”, questionou Bolsonaro.

Como mostrou o Estadão,a equipe econômica sugeriu ao presidente que, para seguir o que diz a LRF, o governo poderia limitar a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de carros com valor mais alto, como SUVS, para pessoas com deficiência e acabar com renúncias tributárias para o setor petroquímico. As duas medidas podem garantir receita de R$ 2 bilhões aos cofres públicos.

O chefe do Executivo repetiu que pretende editar decreto para orientar a população a identificar a composição do preço do combustível em postos de gasolina. "Quero botar a plaquinha lá na entrada de cada posto. Esse é um decreto nosso, a Petrobrás vai fazer isso para vocês saberem quem é que está pegando mais imposto de vocês”, disse.