O Estado de São Paulo, n. 46506, 14/02/2021. Política, p. A9

Decretos ampliam acesso a armas de fogo no País
14/02/2021



Alterações na lei flexibilizam compra e estoque de armamento e munição; ONGs criticam e oposição promete recorrer ao Supremo

O governo federal alterou quatro decretos de 2019 que regulam a aquisição de armamento e munição por agentes de segurança e grupos de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs). As alterações, que flexibilizam os limites e facilitam a compra e estoque de armas e munição (mais informações nesta página), foram criticadas por organizações não governamentais e pela oposição, que promete contestá-las no Supremo Tribunal Federal (STF).

As mudanças foram divulgadas na noite de anteontem, em edição extra do Diário Oficial da União. Segundo o governo, “a medida desburocratiza procedimentos, aumenta clareza sobre regulamentação, reduz discricionariedade de autoridades e dá garantia de contraditório e ampla defesa”.

Na manhã de ontem, Bolsonaro, que passa o carnaval com a família em São Francisco do Sul (SC), citou o referendo de 2005 ao divulgar, no Twitter, a publicação dos decretos. “Em 2005, via referendo, o povo decidiu pelo direito às armas e pela legítima defesa”, afirmou. A consulta popular levou à derrubada de um artigo do Estatuto do Desarmamento que proibia o comércio de armas no País.

Facilitar o acesso às armas e munições é uma bandeira de Bolsonaro desde a época em que ele era deputado. Em 2019, o presidente tentou flexibilizar o porte e a posse de armamento por decreto, mas foi derrotado no Senado, que anulou o ato por meio de um projeto de decreto legislativo. Quando o texto foi enviado à Câmara, o governo recuou e decidiu revogar seu próprio decreto para evitar a derrota.

Em janeiro, Bolsonaro afirmou a apoiadores, na porta do Palácio do Alvorada, que preparava novos decretos para facilitar o acesso a armas de fogo a CACs. Na ocasião, citou o crescimento recorde na venda de armamentos, mas disse esperar aumento ainda maior. Segundo a Polícia Federal, 179.771 novas armas foram registradas no País no ano passado, aumento de 91% em relação a 2019.

‘Risco’. Parlamentares de oposição e entidades da sociedade civil criticaram o conteúdo dos decretos e o momento escolhido para a publicação – durante o carnaval.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que aponta “risco à democracia”, anunciou que vai tentar derrubar os decretos na Câmara e no Supremo, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi). A deputada Perpétua Almeida disse que o seu partido, o PCdoB, também vai contestar as mudanças no Supremo.

O Instituto Sou da Paz, organização não governamental que atua há 20 anos pela redução da violência no Brasil, expressou “indignação”, em nota. “O governo federal expressa seu desprezo pela ciência e sua falta de aptidão em dar respostas qualificadas aos maiores desafios do Brasil”, diz o texto. “A única resposta que o presidente conhece é liberar armas.”

De acordo com o Sou da Paz, dados preliminares de 2020 já indicam que houve um aumento nos homicídios mesmo em ano de isolamento social. “Este governo parece ter conseguido reverter a pequena queda que tivemos a partir de 2018 e conquistada a muito trabalho.”

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública criticou a “fixação” do presidente em flexibilizar “a capacidade de controle do Estado sobre munição e registro de armamentos”. “O Brasil não necessita de mais armas. O que precisamos é de políticas públicas eficientes e críveis, que possam reduzir os vergonhosos índices de violência que seguem crescendo de Norte a Sul do País”, diz nota da ONG.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que Bolsonaro “abriu a porteira” para o armamentismo para “armar as milícias” do presidente. “Quando ele diz que teremos problema maior que o dos EUA nas eleições, é disso que está falando.” Alessandro Molon (PSBRJ) questionou a falta de prioridade do governo, ao tratar de armamentismo em meio à pandemia. “É lamentável ver que o governo não tem o mesmo empenho para garantir vacina, que já está acabando no Brasil”. /

ENTENDA AS MUDANÇAS

• Decreto nº 9.845

Aumenta de 4 para 6 o número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo.

• Decreto nº 9.846

Permite substituir o laudo de capacidade técnica – exigido para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) – por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes ou entidades de tiro.

Permite que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército.

Eleva de 1 mil para 2 mil as recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridas por “desportistas” por ano.

• Decreto nº 9.847

Define parâmetros para a análise do pedido de concessão de porte de armas, cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias do caso, sobretudo aquelas que demonstrem risco à vida ou integridade física do requerente.

• Decreto nº 10.030

Dispensa a necessidade de registro junto ao Exército dos comerciantes de armas de pressão, como as de chumbinho.