Título: Vaticano enxerga ameaça e cardeal vai rebater livro
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2005, Internacional, p. A7
Thriller faz tanto sucesso em todo o mundo que muitos católicos o adotam como guia histórico sobre o cristianismo
AFP No Louvre, cenário principal do livro, turistas usando a obra de Brown como guia é cena comum
ROMA - Em uma atitude surpreendente, o Vaticano decidiu contra-atacar as idéias popularizadas pelo best-seller O Código Da Vinci, afirmou ontem a imprensa britânica. O romance do autor americano se transformou em um fenômeno global: já vendeu 18 milhões de cópias em 44 idiomas e rendeu US$ 140 milhões em direitos. Segundo os diários londrinos, o cardeal Tarcisio Bertone, arcebispo de Gênova e um dos candidatos à sucessão do papa, foi escolhido para refutar as ''mentiras, distorções e erros'' da obra. Uma das idéias centrais do livro é a tese de que Jesus Cristo se casou com Maria Madalena e teve um filho com ela. O sucesso da trama é tamanho que ameaça dogmas da Igreja.
''O cardeal disse que o livro lembra panfletos anticlericais destemperados do século 19. Ele vai tentar desbancar as teorias conspiratórias centrais da trama com uma série de debates públicos que começam em Gênova nesta quarta-feira'', afirmou o jornal The Times.
Integrantes do alto escalão da Igreja Católica se disseram preocupados com o fato de que muitos turistas em Roma e Paris, onde corre a maior parte da trama do livro, carregam agora o Código Da Vinci como guia de turismo para compreender o cristianismo. Segundo o diário britânico, o cardeal Bertone tentará refutar a tese central do livro de que a ''Igreja foi dominada por homens e enterrou o seu lado feminino''. A história de Brown é ambientada na maior parte do tempo em Paris, entre o acervo do Museu do Louvre. Segue a investigação conduzida por um professor de Harvard (Tom Hanks vive o papel na adaptação cinematográfica que estréia ano que vem) sobre o assassinato do curador do museu. O professor descobre pistas ocultas em obras de Leonardo Da Vinci e, decifrando charadas e anagramas, chega ao segredo do Santo Graal: Jesus Cristo nunca foi divino e o filho gerado do casamento com Maria Madalena teria uma linhagem protegida na França.
É isso, mais do que a caracterização da organização católica internacional Opus Dei como uma irmandade extremista, que incomoda o Vaticano.
- O livro está em toda parte - declarou Bertone ao Il Giornale , da Itália. - Há um risco bastante real de as pessoas que o leram passarem a acreditar que as fábulas nele contidas são verdadeiras. Dan Brown perverteu a história do Santo Graal, que certamente não se refere aos descendentes de Maria Madalena. Me surpreende e me preocupa bastante que tanta gente acredite nessas mentiras.
O cardeal, de 70 anos, um ex-comentarista de futebol, foi nomeado diretamente pelo poderoso Joseph Ratzinger, que chefia a Congregação para a Doutrina da Fé. A indicação de um ''defensor'' de tão alto escalão para a batalha contra uma obra de ficção é um sinal da consternação pelo sucesso do livro. A repercussão gerou uma indústria com toda sorte de lançamentos - incluindo ensaios acadêmicos, guias históricos, livros desmistificando a trama - além de movimentar o turismo, que oferece pacotes exclusivamente baseados nos passos dos personagens. De acordo com David Barratt, escritor e expert no Código Da Vinci a discussão é exagerada.
- Os membros da Igreja estão aborrecidos com o que chamam de blasfêmia pela sugestão de que Jesus fez sexo com Maria Madalena. Mas não há razão teológica pela qual ele não pudesse ter se casado e constituído família - afirma.
Outro problema é a caracterização do Vaticano, que teria montado um complô para esconder a verdade sobre o cristianismo, sem falar na atribuição de atos violentos à Opus Dei.
- As ações da Opus Dei no texto são ridículas. E eles não têm monges - emenda Barratt, para quem o best-seller é apenas ''um thriller de aeroporto'' e a Igreja está exagerando. - Porém, apesar de tudo, o trabalho de Brown mostra questões interessantes sobre o surgimento do cristianismo, mas que deveriam ser avaliadas por teólogos ou historiadores, não por alguém com uma pesquisa tão superficial.
Também para enfrentar o romance de Brown, a Opus Dei lançou um documento de 127 páginas, nos quais destaca os erros contidos no livro, classificado como ''obra de ficção que não é uma fonte confiável''.
Outro autor católico, Greg Watts, tem preocupações similares sobre as credenciais de Dan Brown como pesquisador.
- A preocupação dele é mais de ganhar dinheiro do que ensinar teologia. Ele brinca com a ignorância do público, dando a impressão de entender sobre cristianismo quando na verdade o está manipulando. Mas o sucesso é uma lição para a Igreja, que precisa usar melhor a mídia moderna para apresentar a mensagem cristã às novas gerações - conclui.