Título: Inteligência síria começa retirada
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2005, Internacional, p. A8
Militares esvaziam escritório em Beirute, no dia em que Bush exorta Hisbolá a virar partido político
Beirute ¿ AFP Agentes sírios encheram três caminhões com equipamentos e mobília e tiraram foto do presidente Assad
BEIRUTE - Atendendo a uma das reivindicações dos Estados Unidos e da oposição libanesa, militares da Inteligência síria esvaziaram ontem um de seus escritórios em Beirute.
Os agentes foram vistos enchendo três caminhões com mobílias e equipamentos durante a tarde e retirando do edifício fotos do presidente sírio, Bashar al Assad, enquanto eram escoltados por policiais libaneses, por temor a represálias de opositores.
Pouco depois da desocupação, o porteiro do edifício pôs duas bandeiras libanesas na porta. De acordo com uma testemunha, os cerca de 20 agentes deixaram o local em uma van e em um carro.
A saída dos oficiais de Inteligência ocorreu no mesmo dia em que o presidente egípcio, Hosni Mubarak, fez uma rápida visita a Damasco e teve um encontro, que não estava agendado, com Assad.
Segundo a agência de notícias oficial do país, os dois governantes discutiram ''o cenário libanês'', mas não foram fornecidos mais detalhes. Publicamente, Mubarak já disse ser a favor da retirada das tropas sírias do país, que até o início do mês somavam 14 mil homens.
Segundo especialistas, a presença da Inteligência síria era chave para a influência política e militar de Damasco em Beirute, muito mais que a dos soldados, que tinham um papel mais simbólico. No entanto, alertam que a retirada total dos agentes será difícil de ser confirmada.
A Casa Branca considerou a medida síria um ''passo positivo'' e, em declarações, o presidente dos EUA, George Bush, deixou as portas abertas para que o grupo militante Hisbolá venha a desempenhar um papel político relevante no Líbano. Ele exortou o movimento xiita a ''provar'' que não é uma organização terrorista, abandonando as armas.
- Vemos o Hisbolá como uma organização terrorista. Para ser digno de confiança, eles têm de provar que não é bem assim, depondo as armas e deixando de ameaçar a paz entre Israel e os palestinos - disse o presidente.
Semana passada, Washington desmentiu a informação da imprensa de que os EUA estariam reticentes em aderir aos esforços da França e das Nações Unidas para pressionar o grupo militante a se incorporar à política convencional libanesa.
O líder católico Nasrallah Sfeir, forte crítico do controle de Damasco no Líbano e importante personalidade da oposição, é um dos que apóiam a integração do movimento e tem previsto reunir-se com Bush hoje na Casa Branca.
O Hisbolá, que mostrou força ao levar para as ruas de Beirute, na semana passada, meio milhão de pessoas em apoio a Damasco, está envolvido na política libanesa há mais de uma década, com um amplo programa de bem-estar social e nove cadeiras no Parlamento. Mas o grupo se manteve fora dos principais processos decisórios da política nacional ao concentrar o foco da guerrilha armada no combate a Israel. Beirute considera o Hisbolá um movimento de resistência legítimo, que liderou por 18 anos a luta contra a ocupação israelense no Sul do Líbano.
Ontem, em manifestação pró-Síria, 2 mil pessoas fizeram uma marcha rumo à embaixada americana no Líbano, em um subúrbio de Beirute. Policiais e soldados tiveram que colocar arame farpado na rua para impedir que os manifestantes se aproximassem do prédio.
- Embaixador, vá embora. Deixe nosso país livre - gritavam, carregando bandeiras do libanesas nas mãos.
Os grupos pró-Damasco culpam os EUA por pressionar o país vizinho a retirar suas tropas. Eles também rejeitam a resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige a saída dos soldados sírios e o desmantelamento de milícias.
Um dia antes, aproximadamente 1 milhão de pessoas se reuniram na capital - no maior protesto já realizado no Líbano - para pedir a retirada síria do país, no dia em que o assassinato do ex-premier Hafik Hariri completou um mês.
Também ontem, a equipe de especialistas da ONU enviada ao Líbano para ajudar nas investigações do assassinato de Hariri terminou sua missão e tinha previsto deixar o país.