O Estado de São Paulo, n. 46510, 18/02/2021. Política, p. A4

Supremo mantém prisão de deputado bolsonarista
18/02/2021



Poderes. Daniel Silveira, do PSL, foi preso por ordem de Moraes após vídeo com ataques à Corte, que referendou decisão por unanimidade; sob pressão, Câmara deve analisar caso hoje

O Supremo Tribunal Federal confirmou ontem, por unanimidade, a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi detido por determinação do ministro Alexandre de Moraes, horas após divulgar um vídeo contendo apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5), o mais violento ato da ditadura militar, e discurso de ódio contra os integrantes da Corte. Diante desse veredicto, a Câmara, sob pressão, deve se debruçar hoje sobre o destino de Silveira. A ideia, porém, é adiar a votação, sob o argumento de que, após a decisão dos 11 ministros do STF a favor da prisão do deputado, não é possível afrontar a Corte.

Cresce agora um movimento favorável à cassação de Silveira pelo Conselho de Ética da Câmara, e não apenas por parte de partidos de oposição, como o PT. Antes da decisão do Supremo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL, havia defendido um acordo político. O plano inicial previa revogar a prisão do deputado, estabelecendo, porém, uma punição, como o afastamento do mandato até o julgamento do caso pelo Conselho de Ética.

A estratégia para não desafiar o Supremo em um momento no qual vários parlamentares são réus em ações foi discutida em reuniões comandadas por Lira, que é líder do Centrão e também alvo de investigações . O centro e a esquerda, por sua vez, querem aproveitar o episódio para desgastar o presidente Jair Bolsonaro, antecipando a disputa de 2022, e, de quebra, fazer um aceno ao STF. O Conselho de Ética está parado desde o ano passado, por causa da pandemia do novo coronavírus, mas Lira disse que o colegiado voltará a funcionar.

A prisão em flagrante do deputado aliado de Bolsonaro foi determinada por Moraes, anteontem à noite, pela prática de crime inafiançável. A Constituição prevê que, nesses casos, o processo deve ser enviado para a Câmara, a quem cabe resolver sobre a detenção do deputado. A votação poderá ser aberta.

Em vídeo publicado nas redes sociais, no dia da prisão, Silveira atacou os magistrados do STF após o ministro Edson Fachin classificar qualquer forma de pressão sobre o Judiciário como "intolerável". As declarações de Fachin foram feitas depois da revelação de que mensagens publicadas no Twitter em 2018 pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas – na véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado na Corte em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – haviam passado pelo crivo do Alto Comando do Exército. O ato foi interpretado por magistrados como uma tentativa de interferência no Supremo naquele ano eleitoral.

Ataques. Silveira gravou, então, um vídeo para atacar o STF. Afirmou que imaginou Fachin "levando uma surra", assim como todos os outros integrantes da Corte. "Qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime", disse o deputado. "Vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí."

Moraes não tardou para determinar a prisão do deputado. Silveira também é investigado no inquérito que apura o financiamento de atos antidemocráticos, pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. O placar unânime referendando a decisão de Moraes, ontem, mostrou que, apesar de suas divisões, o STF não admitirá nova escalada de ataques.

"Esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão, exige, necessariamente, pronta atuação", disse o presidente do Supremo, Luiz Fux. "Muito mais que os crimes contra a honra dos ministros, o que é gravíssimo (...), muito mais que ameaça à integridade física dos ministros (...), as manifestações tinham o mesmo intuito que tiveram as outras (...), de corroer o sistema democrático brasileiro, (...), de abalar o regime jurídico do estado democrático de direito", afirmou Moraes, relator do caso.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) defendeu a atuação da Câmara e do STF para investigar a conduta de Silveira. Pacheco observou que um atentado à democracia é "gravíssimo", mas classificou a prisão como "grave exceção". "Não elevaremos esse episódio a uma crise institucional. Seguimos com as prioridades do Brasil: vacina, auxílio e reformas."

CRONOLOGIA

Da revelação do general à prisão

9 de fevereiro

Tuítes

O general Eduardo Villas Bôas relata em livro que tuítes na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula no STF, em 2018, foram escritos com o Alto Comando do Exército. Na época, Villas Bôas disse no Twitter que o Exército "julga compartilhar o anseio de cidadãos de bem de repúdio à impunidade".

15 de fevereiro

'Intolerável'

O ministro do STF Edson Fachin afirma ser "intolerável e inaceitável" qualquer forma de pressão "injurídica" sobre o Poder Judiciário.

'Marginais da lei'

O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) critica Fachin. "Intolerável e inaceitável é que marginais da lei componham a Suprema Corte", afirma o parlamentar bolsonarista. Villas Bôas ironiza a reação do ministro do STF: "Três anos depois".

16 de fevereiro

'Ditadura nunca mais'

Em reação a Villas Bôas, o ministro do STF Gilmar Mendes diz que "ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza: Ditadura nunca mais!"

Ofensas

Em vídeo, Silveira xinga ministros da Corte e faz apologia ao AI-5. "Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora vende habeas corpus, vende sentenças."

Prisão

O ministro do Supremo Alexandre de Moraes determina a prisão de Silveira. A Constituição prevê que a prisão de parlamentares deve ser submetida ao plenário da Câmara em até 24 horas para que a maioria decida se mantém ou não a decisão.

Ontem

Supremo

Por unanimidade, o Supremo confirma a prisão do deputado bolsonarista.