Título: O quintal dos Severinos
Autor: Antonio Sepulveda
Fonte: Jornal do Brasil, 16/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Enquanto o povo delirar com a retórica estropiada, o Brasil seguirá subdesenvolvido

Em sua fala do trono em João Alfredo, Pernambuco, o deputado Severino Cavalcanti vociferou contra os ''intelectuais da imprensa'' (sic), os quais, segundo ele, terão de suportá-lo a desfilar garbosamente por Roma, Paris e Nova York. É provável que qualquer repórter seja um portentoso intelectual no limitado entendimento do ressentido parlamentar; por outro lado, concordamos que a presença dele nas cidades citadas não passaria de um pictórico paradoxo, porquanto romanos, nova-iorquinos e, principalmente, parisienses não aprovam os Severinos de marca maior e, menos ainda, os genéricos.

Disse não sentir vergonha da própria origem. Desconhecemos o que possa haver na procedência do deputado que sugira desonra. Entretanto, ele também parece não ter pejo de algumas estripulias que, num país sério, seriam motivo de opróbrio e desmoralizariam qualquer personalidade pública. Pelo contrário, o altivo Severino se orgulha de distribuir o cartão de visita aos conterrâneos, uma espécie de passe que os habilita à contravenção. De posse desse bilhete mágico, garante o poderoso Severino, é possível sair por aí a desrespeitar a lei; se for preso, basta brandir o cartãozinho e proclamar-se seu amigo que tudo se ajeita. Podemos, pois, inferir que a simples menção do nome de ''Severino'' tem força de lei pela distinção do cargo que ele ocupa. Afinal de contas, de que adianta ser chefe político em João Alfredo e uma autoridade do Legislativo, se não lhe for possível uma pequena demonstração de poder uma vez ou outra, por mais prosaica que seja?

E não parou por aí. Narrou a carraspana de um conhecido que, no descontrole da bebedeira, destruiu o bar que o servira. Bastou um contacto telefônico com o importante legislador pernambucano para que tudo se resolvesse sem a inoportuna intromissão da polícia. E o nosso Severino fechou sua burlesca peça oratória com grotescos passes de dança ao som da zoeira de Toínho de Limoeiro e Marquinhos do Marial. Este é um lado do enredo que explica a políticagem que sempre se fez no Brasil; um cenário dominado por Severinos vocacionais e juramentados que sempre compuseram o atávico coronelismo direitista. No outro lado, atualmente, graças à estupidez e aos desmandos desses politicalhos, encontra-se a fauce hedionda do socialismo escravocrata, pronta a dar o bote nas vítimas esfoladas por Severinos delirantes desde os tempos de el-rei.

Somos forçados a reconhecer que nós, críticos severos deste estado de coisas, não chegamos ao povo. Encaramos as questões do ponto de vista do que achamos certo para a macroeconomia e a esquecida ética na política. Mas o nosso povo, infelizmente, é uma fábrica de Severinos que elegem Severinos. Não compreende o porquê dos baixos salários e da péssima qualidade do serviço público. Pior: não temos estadistas nem tribunos com uma acirrada mentalidade em prol de um Brasil liberal e federalista, como são as nações desenvolvidas, totalmente imunes à praga dos Severinos irresponsáveis que abriram o caminho para o advento de socialistas sôfregos por possuir o Estado e nos escravizar para sempre.

Enquanto o nosso povo delirar com a retórica estropiada e as atitudes canhestras de políticos caramutanjes, enquanto se encantar ante a destreza e a ostentação com que atropelam a lei e a ética, o Brasil, na melhor das hipóteses, seguirá arrastando-se na lama do subdesenvolvimento. Outra possibilidade sombria é o cenário propício à iminência de um regime socialista que se desenha no horizonte como o tsunami do apocalipse.