O Estado de São Paulo, n. 46512, 20/02/2021. Política, p. A4

Câmara mantém preso deputado que atacou STF
Felipe Frazão
Vera Rosa
20/02/2021



Congresso. Por 364 votos a favor, plenário referenda a decisão do Supremo que ordenou prisão de Daniel Silveira, do PSL; parlamentares evitam choque institucional com Judiciário

A Câmara decidiu ontem manter a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada na terça-feira pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o parlamentar divulgar um vídeo com ofensas e ameaças a integrantes da Corte, além de defender o Ato Institucional n.º 5, o mais duro da ditadura militar. Por 364 votos a favor, 130 contra e 3 abstenções, o plenário referendou a decisão do Supremo, abandonando Silveira à própria sorte, para evitar um choque institucional entre o Legislativo e o Judiciário.

A sessão que selou o destino do aliado do presidente Jair Bolsonaro foi marcada por discursos contundentes. O Centrão, que apoia o governo, e a oposição se uniram contra Silveira. A liderança do governo lavou as mãos e se isentou da discussão. Apenas o PSL, o PTB, o PSC e o Novo defenderam o deputado.

Relatora do processo, a deputada Magda Mofatto (PL-GO) deu parecer favorável à manutenção da prisão do colega, sob o argumento de que ele transformou o mandato na Câmara em uma "plataforma de propagação do ódio" (mais informações na pág. A8). Magda, que também é bolsonarista, considerou a prisão "correta, necessária e proporcional" e fez questão de ler trechos do que foi dito pelo parlamentar no vídeo de 19 minutos publicado por ele nas redes sociais.

"Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de Estado e de incitação à violência contra autoridades públicas", disse a relatora.

Ao se defender, Silveira pediu várias vezes desculpas pelas críticas aos magistrados e chegou a dizer que a Corte é uma instituição "muito importante". Nem parecia a mesma pessoa que, na terça-feira, sugeriu a deposição de ministros do STF e até uma "surra bem dada" em Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte.

Preso no Batalhão Especial da Polícia Militar, no Rio, o deputado participou da sessão da Câmara por videoconferência (mais informações nesta página). "Eu me excedi", admitiu o ex-cabo da Polícia Militar. "Peço desculpas a qualquer brasileiro que tenha se insultado com isso, mas já me arrependi. Quem nunca fez isso na vida? Já tivemos conflitos, debates, ideias e ainda assim a democracia sempre venceu". Abatido, Silveira continuou: "Não sou nenhum criminoso. Não sou bandido".

Sob pressão do Supremo e do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), chegou a tentar um acordo para amenizar a situação de Silveira. Mas nenhuma operação de bastidores deu certo. Em reuniões com líderes de partidos, Lira havia proposto até mesmo que a Mesa Diretora afastasse o deputado e o plenário votasse a suspensão do mandato. A ideia inicial era enviar o caso ao Conselho de Ética e revogar a prisão.

 

Pressão. Tudo mudou, porém, depois que o plenário do Supremo ratificou por unanimidade – 11 a zero – na quarta-feira, a decisão de Moraes, responsável por determinar a prisão em flagrante de Silveira. Os deputados, muitos deles investigados, como o próprio Lira, não queriam afrontar a Corte.

Lira conversou com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, e avisou que não seria possível salvar o aliado. O presidente assentiu e não fez declaração pública desde que o escândalo veio à tona. A todos os deputados que o procuravam para medir a temperatura do Palácio do Planalto diante do escândalo, o ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, desconversava: "Isso é assunto da Câmara".

O sistema de votação foi feito de forma presencial e remota, mas a maioria optou por ficar longe do plenário. Ao abrir a sessão, Lira fez questão de circunscrever o episódio envolvendo Silveira a um "ponto fora da curva". "Essa intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares deve ser o que foi, um ponto fora da curva, sob o risco de banalizarmos excessos", discursou o presidente da Câmara no plenário. "Acima de todas as inviolabilidades está a inviolabilidade da democracia."

Como mostrou o Estadão,o argumento de que o Congresso não podia perder tempo com crises envolvendo um "extremista", em detrimento de uma pauta necessária para a retomada da economia, também pesou para o Centrão "rifar" Silveira.

 

Conselho de Ética. A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados entrou com representação no Conselho de Ética, pedindo a cassação do mandato de Silveira, sob a alegação de que, com os xingamentos aos ministros do STF, ele quebrou o decoro parlamentar. O documento é assinado por Lira. O colegiado estava parado desde março do ano passado, por causa da pandemia do coronavírus, mas foi reativado e vai se reunir na próxima terça-feira.

Silveira já é alvo de dois inquéritos que tramitam no Supremo e que também são conduzidos por Alexandre de Moraes. Um deles investiga a disseminação de fake news contra adversários do governo e o outro apura o financiamento dos atos antidemocráticos que pregavam o fechamento do Congresso e do Supremo.

"Pode deputado defender AI-5, que outrora fechou o próprio Congresso? Pode deputado ir a público e dizer que quer a morte de quem discorda? Não pode. Nessa Casa não cabe quem não tem apreço pela democracia e quem faz da política ódio e violência", disse, na tribuna, a líder do PSOL, deputada Talíria Petrone (RJ).

Aliado de Bolsonaro, Capitão Wagner (PROS-CE) protestou: "Peraí, STF, que não vamos admitir que vocês cometam tal irregularidade, fazendo de um deputado federal boi de piranha para todo o Brasil". Foi vencido.

PLACAR

A favor da prisão 364 votos 

Contra a prisão 130 votos

Abstenção 3

TOTAL DE VOTANTES: 497 DEPUTADOS