O Estado de São Paulo, n. 46513, 21/02/2021. Metrópole, p. A13

Ministério da saúde autoriza compra de vacinas da Índia e da Rússia
Mateus Vargas
Thais Barcellos
21/02/2021



Sob pressão e lobby, governo publicou dispensa de licitação; fontes do governo dizem que pagamento ocorre só após aval da Anvisa

O Ministério da Saúde publicou ontem, em edição extra do Diário Oficial da União, a dispensa de licitação para a compra das vacinas da covid19 Sputnik V e Covaxin. Os textos informam que as aquisições terão o custo de R$ 693,6 milhões para o imunizante da Rússia e de R$ 1,614 bilhão para o indiano.

Na prática, isso autoriza a compra das vacinas, mas, conforme fontes do governo, o ministério colocou a condição de só realizar o pagamento se houver autorização de uso emergencial ou registro na Anvisa. A dispensa de licitação foi autorizada pela Medida Provisória 1.026. As publicações no DOU não especificam o volume de doses. Pelo cronograma do ministério, serão entregues a partir de março 20 milhões da Covaxin e 10 milhões da Sputnik.

O aval para a compra ocorre no momento em que o governo é pressionado para acelerar o ritmo da vacinação diante da alta de internações. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro quer reduzir a dependência da Coronavac, associada ao governador João Doria (PSDB), seu adversário político. Como mostrou o Estadão, auxiliares do presidente tratam a Sputnik como potencial “vacina de Bolsonaro”, pela possibilidade de produção em larga escala no Brasil.

Mas Sputnik e Covaxin nem sequer estão sob análise de uso emergencial na Anvisa, que aguarda dados de segurança e eficácia. O órgão chegou a devolver pedido da Sputnik pela falta de dados básicos. O laboratório União Química também pretende fabricar a Sputnik no Brasil, mas ainda não tem as certificações exigidas. Segundo fontes do governo federal, a preparação da fábrica para a produção local pode levar até seis meses.

A eficácia da Sputnik é de 91,6%, segundo publicação na revista científica The Lancet.A Anvisa, porém, tem feito cobranças reiteradas à União Química por detalhamentos.

A Covaxin está em uso emergencial na Índia, mas tem dados de eficácia ainda desconhecidos. É fabricada pela Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. Como revelou o Estadão, a Precisa tem como sócia a Global, que deve R$ 20 milhões ao Ministério da Saúde por remédios não entregues de compra feita pela pasta em 2017, na gestão do atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). Em ação de improbidade, o Ministério Público Federal diz que Barros pressionou funcionários da pasta para favorecer a empresa. Ele nega.

Nos bastidores, auxiliares do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, diziam que os contratos seriam fechados após o Congresso aprovar e Bolsonaro sancionar a MP 1026, que libera contratos antes de aval pela Anvisa. Mas a votação foi adiada na Câmara pela prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

A compra ocorre após o governo recusar outros imunizantes, como o da Pfizer. Marca também mudança de postura de Bolsonaro e Pazuello, que usaram justamente a falta de aval da Anvisa como argumento para atrasar a compra da Coronavac, desenvolvido pela chinesa Sinovac e o Instituto Butantan.

Pazuello também está sob forte pressão para acelerar a vacinação no País. Ele tem apresentado cronograma com previsão de entrega 455 milhões de doses – que já incluía compras ainda pendentes, como as da Sputnik V e da Covaxin. Também ignora atraso na importação de insumos farmacêuticos para fabricação no Brasil de imunizantes pelo Butantan e pela Fiocruz.

Bastidor. Há forte lobby no Congresso e no governo pelos produtos russo e indiano. Na linha de frente da negociação, a União Química tem o ex-deputado Rogério Rosso (PSD-DF) e o ex-diretor da Anvisa Fernando Mendes. Ricardo Barros apresentou emenda à MP 1026 para que vacinas liberadas na Índia recebam análise acelerada na Anvisa. A sugestão foi acolhida no parecer da MP, que também inseriu a agência da Rússia.

O Congresso aprovou medida similar na MP 1.003, já enviada à sanção, para beneficiar vacinas liberadas na Rússia e Argentina, entre outros países. A ofensiva tem contrariado a Anvisa.

Por conta própria 17 Governadores decidiram que vão buscar negociações diretas com laboratórios diante da demora na entrega de vacinas, disse o líder do Piauí, Wellington Dias (PT).