O Estado de São Paulo, n. 46516, 24/02/2021. Metrópole, p. A14

Anvisa libera registro à vacina da Pfizer; Congresso tenta destravar negociação
Mateus Vargas
Anne Warth
Daniel Weterman
24/02/2021



Imunizante é o 1º a ter aval para uso em massa no Brasil; governo brasileiro negocia com farmacêutica americana, mas diz que os itens sobre responsabilização por eventuais efeitos adversos impedem acordo – as mesmas cláusulas estão em contratos com outros países

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro definitivo no Brasil da vacina produzida pela Pfizer. É o primeiro imunizante a ter autorização para uso em massa no País – Coronavac e Oxford tem autorização emergencial, para grupos específicos. O governo brasileiro, porém, ainda negocia a compra do produto da Pfizer e vê entraves ao contratação. Já o Congresso procura destravar a compra.

A proposta mais recente da farmacêutica é de 100 milhões de doses, sendo 8,71 milhões entregues até julho; e o restante, entre outubro e dezembro. Há divergências, porém, em relação a cláusulas impostas pela farmacêutica, como a previsão de que a União assuma riscos e custos de efeitos colaterais dos produtos – mesma exigência feita a outros países e pela farmacêutica Janssen.

Como revelou o Estadão, um artigo para destravar justamente essas compras chegou a ser sugerido pelo Ministério da Saúde em discussões para elaboração da MP 1026/2021, mas foi excluído da versão final do texto. Agora, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apresentou projeto de lei para permitir ao poder público assumir riscos. A proposta foi protocolada após reunião na segunda-feira com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

O texto de Pacheco autoriza as empresas privadas a comprar doses dos laboratórios. As companhias, porém, deverão doar os produtos integralmente ao Sistema Único de Saúde. O setor privado só estará autorizado a comercializar ou utilizar as vacinas diretamente após o término da imunização dos grupos prioritários. "Desse modo, estaremos colaborando com o Poder Executivo da União, Estados, Distrito Federal e municípios", afirmou.

Tanto a cláusula quanto a compra pelo setor privado são polêmicas no Senado. O líder do PSD na Casa, Nelsinho Trad (MS), apresentou um projeto diferente, autorizando a aquisição por empresas para que as doses sejam aplicadas diretamente nos funcionários, respeitando as prioridades. "O empresário dificilmente vai querer comprar para o SUS." Os dois projetos poderão ser discutidos em um só ou até incorporados em uma medida provisória.

Ontem, a Câmara concluiu a votação da MP 1026, que também permite que os imunizantes sejam comprados antes do registro ou uso emergencial ser concedido pela Anvisa. Também dispensa a necessidade de licitação para essa compra e estabelece regras mais flexíveis para os contratos.

O relator ainda propôs mudanças nas regras que determinam a análise, pela Anvisa, de pedidos de importação e uso emergencial de vacinas ou medicamentos que já receberam autorização em outros países. Ele incluiu agências como as da Índia e Rússia no rol de autoridades sanitárias que podem levar a Anvisa a conceder o aval de forma mais rápida, o que beneficiaria diretamente a aprovação dos produtos Covaxin e Sputnik V. Em outra proposta, a MP 1003/2020, que aguarda sanção presidencial, o Congresso já aprovou mudança similar, que contraria a agência.

Aval e negociação. A validade do registro dessa vacina da Pfizer é de três anos, e não de dez anos, o prazo mais comum. Agora a empresa pode, se quiser, comercializar o imunizante com o setor privado, mas depende que um órgão interministerial defina o preço máximo.

Em nota, a Pfizer informou que o registro permite o uso para pessoas acima de 16 anos, com esquema de duas doses e intervalo de 21 dias entre as aplicações. O imunizante tem eficácia global de 95%. Para a população acima de 65 anos, alcança 94%, segundo avaliou a Anvisa.

"Esperamos poder avançar em nossas negociações com o governo para apoiar a imunização da população", declarou Marta Díez, presidente da Pfizer Brasil, em comunicado. Não há, porém, dados de eficácia em variantes, como a de Manaus, já relatada em 17 Estados.

Procurada, a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas disse que clínicas privadas têm interesse em comprar "qualquer imunizante" com registro, mas que a última posição da Pfizer à entidade é de que o setor público terá prioridade. Desde meados de 2020, o governo negocia a compra de doses desse produto da farmacêutica. Nesta segunda-feira, em reunião com senadores, um representante da Pfizer disse que só Brasil, Argentina e Venezuela negaram acordo com a empresa por rejeitarem as exigências feitas pelo laboratório.

A resistência do governo à compra da vacina da Pfizer foi tornada pública pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Em 23 de janeiro, a pasta disse que comprar esta vacina seria uma conquista de "marketing, branding e growth" para a Pfizer, mas causaria "frustração em todos os brasileiros".

Isso porque a oferta de doses seria pequena – o laboratório ofereceu 70 milhões, com entrega a partir de dezembro de 2020. Mas, em uma ação rara, o ministério resolveu solicitar de forma pública ao Planalto um auxílio para a compra de novas vacinas e recorreu à Casa Civil.

Já Bolsonaro, no fim do ano passado, ironizou as condições. "Lá no contrato da Pfizer está bem claro: 'Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você'."/ COLABOROU ERIKA MOTODA 

Negociações

"Esperamos poder avançar em nossas negociações com o governo brasileiro para apoiar a imunização da população."

Marta Díez

PRESIDENTE DA PFIZER BRASIL, EM COMUNICADO OFICIAL