Correio Braziliense, n. 21167, 08/05/2021. Brasil, p. 6

 

Fachin cobra de Aras apuração de matança

08/05/2021

 

 

VIOLÊNCIA » Ministro vê indícios de execução na operação policial no Jacarezinho, que deixou 28 mortos e é a mais violenta realizada no Rio. Defensora pública que esteve na favela após incursão encontrou locais repletos de sangue e endossa suspeita de assassinatos

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que investigue a operação policial contra traficantes de drogas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que deixou 28 pessoas mortas, entre elas um policial — mais três óbitos foram computados ontem. Ele viu indícios de "execução arbitrária" no episódio. O plenário da Corte determinou, em agosto de 2020, a suspensão das incursões das forças de segurança em comunidades do Rio durante a pandemia.

"Os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária. Certo de que Vossa Excelência, como representante máximo de uma das mais prestigiadas instituições de nossa Constituição cidadã, adotará as providências devidas, solicito que mantenha este relator informado das medidas tomadas e, eventualmente, da responsabilização dos envolvidos nos fatos", salientou o ministro, em ofício assinado na última quinta-feira. Documento semelhante foi enviado ao procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, Luciano Oliveira Mattos de Souza.

Já o PSB pediu ao STF que solicite ao Ministério Público Federal a apuração do suposto crime de desobediência da decisão da Corte que suspendeu as incursões policiais nas comunidades fluminenses na pandemia. A Operação Exceptis tinha como intuito prender traficantes de uma facção que controla o Jacarezinho, mas não prendeu ninguém.

Nos pedidos de Fachin, ele faz referência a dois vídeos enviados pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), recebidos pelo seu gabinete. Em um deles, aparecem cinco corpos baleados. Em outro, agentes policiais abrem à força a porta de uma residência: "Abre essa porra! Polícia! Mão na cabeça! Tá fodido, vagabundo!" E atiram em um homem que estava deitado no chão. As imagens, porém, não foram confirmadas como sendo a ação no Jacarezinho. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, que conta com vasta base de dados sobre tiroteios no Rio, a operação no Jacarezinho foi a que teve o maior número de mortes desde 2016, quando começou a série histórica.

Violência extrema
A defensora pública Maria Júlia Miranda, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria do Rio, esteve no Jacarezinho pouco depois da operação e deparou-se com becos e casas repletos de sangue. "Ouvimos muitos relatos de violação de domicílios e mortes. Muitos muros e portas cravejados de balas", disse.

A equipe da Defensoria entrou em duas residências que serviram, durante a operação, de palco para mortes. "Na primeira, a família foi tirada de casa; morreram dois rapazes na sala, que estava repleta de sangue. Havia até partes de corpo — que pareciam ser massa encefálica, mas é difícil dizer exatamente", observou.

A segunda casa visitada é o lar de um casal que tem uma filha de oito anos, onde um homem morreu dentro do quarto dela, que viu toda a cena. "Tinha uma poça de sangue no quarto. A cama lotada de sangue, inclusive a coberta que a menina usa. Essa menina está completamente traumatizada", afirmou Maria Júlia.

O cenário das casas e o fato de as pessoas terem sido arrastadas já mortas de dentro delas fazem com que a Defensoria veja indícios de execução e de "desfazimento da cena do crime". Somente ontem os corpos dos mortos chegaram ao Instituto Médico Legal (IML). Preocupado com a independência das investigações, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) enviou um perito para acompanhar os trabalhos do IML, que é ligado à Polícia Civil — mesma corporação que realizou a operação. (Colaboraram Sarah Teófilo e Gabriela Bernardes, estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi)