O Globo, n. 32054, 11/05/2021. País, p.4

 

MP no TCU quer apurar liberação de verbas pelo governo a parlamentares

 

Representante do Ministério Público quer apuração sobre suspeita de que governo Bolsonaro destinou as verbas em troca de apoio parlamentar durante pandemia. Também há outras cinco representações do Novo, do Psol e do PSB
 
Melissa Duarte
 
 
BRASÍLIA — O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) que apure a reserva de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2020 para deputados e senadores indicarem recursos para obras e ações Brasil afora com base em um "orçamento paralelo". Em troca, deveriam apoiar o governo no Congresso Nacional. O caso foi divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” neste domingo. Também há cinco representações dos partidos Novo, Psol e PSB.
“A situação requer, a meu ver, a atuação do Tribunal de Contas da União no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública federal, a fim de que sejam apurados os atos do Poder Executivo que porventura venham — contrariando as regras isonômicas previstas para a aprovação e liberação de emendas parlamentares individuais — favorecendo determinados parlamentares, em retribuição a apoio aos projetos do governo”, argumentou o representante do Ministério Público (MP) junto ao TCU.
Parte dos recursos foram usados para a compra de tratores e outras máquinas agrícolas, como retroescavadeiras. Os equipamentos seriam entregues em cerimônias das prefeituras que acabariam se tornando eventos eleitorais. Só para esses equipamentos as despesas alcançariam R$ 271,8 milhões. Nos ofícios que indicam os gastos, os parlamentares se referem às verbas como “minha cota” e “fui contemplado”.

"Esses recursos ‘extras’ ocorreriam, em princípio, à margem de todo o regramento constitucional, legal e regulamentar, em ofensa ao princípio da isonomia que orienta a distribuição de recursos orçamentários entre os parlamentares no regime das emendas individuais e sem a transparência que requer o uso de recursos públicos", escreveu Furtado.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 não prevê que deputados e senadores definam prioridade de verbas de emendas para a execução do Orçamento. O presidente Jair Bolsonaro vetou essa possibilidade, que já havia recebido aval do Legislativo. Uma das razões é que o veto — não derrubado pelo Congresso Nacional — diz que a medida poderia “fomentar cunho personalístico” nas indicações.

A reportagem indica, ainda, que o esquema teria sido montado por Bolsonaro e os gastos, executados pelo Ministério de Desenvolvimento Regional, chefiado por Rogério Marinho. O ministro negou que a indicação de verbas fosse irregular e disse que deputados e senadores da oposição também foram contemplados. 

Outras representações

Líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ) anunciou na noite desta segunda a entrega de três representações: uma ao TCU, outra ao MPF e a última à PGR. Para o deputado, o caso é considerado “gravíssimo”:

— A denúncia aponta que R$ 3 bilhões de dinheiro público teriam sido usados pelo governo, sem nenhuma transparência, com fortes indícios de corrupção, para montar uma base no Congresso. (...) Os recursos gastos para abastecer o suposto esquema poderiam comprar 58 milhões de doses da Pfizer e salvar milhares e milhares de brasileiros. Por isto estamos pedindo uma pronta e rigorosa investigação. Ninguém pode ficar impune — afirmou o deputado federal.

Além dele, o Partido Novo também entrou com uma representação junto ao TCU. Para a legenda, a prática não é obrigatoriamente ilícita, mas há indícios de superfaturamento.

“Considerando a gravidade das denúncias veiculadas na notícia em epígrafe, entendo ser necessária uma análise mais apurada do Tribunal de Contas da União sobre os convênios e instrumentos congêneres firmados entre o MDR, a CODEVASF e municípios no exercício orçamentário de 2021”, assinaram representantes do partido em ofício.

— Temos denunciado desde nossa chegada ao Congresso este uso de emendas para comprar a base de parlamentares no Congresso. É um fluxo muito grande de recursos, e com pouquíssima transparência. Há sempre a possibilidade de desvios e toda suspeita tem que ser investigada — afirmou ao GLOBO o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), que classificou esses tipos de acordo como “imorais”.

Dez deputados federais do Psol assinam representação contra Bolsonaro, Marinho e Marcelo Andrade Moreira Pinto, diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). No texto, pedem que o Ministério Público Federal (MPF) acompanhe o uso das verbas por parte da União. O documento foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República e à Procuradoria da República no Distrito Federal.

“Constitui-se, portanto, verdadeira fraude à Constituição e ao ordenamento jurídico pátrio utilizar do orçamento público para barganhar emendas para garantir votações de interesse do Governo no Parlamento ou para garantir que redutos eleitorais de aliados sejam privilegiados”, sustentam os parlamentares.