Título: Israel devolve Jericó aos palestinos
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2005, Internacional, p. A8
Exército desmonta bloqueios e transfere controle da cidade bíblica a policiais da ANP
JERICÓ - O Exército de Israel transferiu ontem o controle da cidade de Jericó à autoridade palestina, em uma medida interpretada como um apoio ao presidente Mahmoud Abbas em seu esforço de arrancar uma trégua duradoura com as facções radicais. O gesto, retardado por semanas de discussões, inicia um processo de devolução de mais quatro cidades na Cisjordânia ocupada, segundo termo assumido pelo primeiro-ministro Ariel Sharon junto a Abbas no dia 8 de fevereiro.
Logo depois da retirada israelense, policiais palestinos foram desembarcados e assumiram o controle dos principais acessos à cidade. Pelo acordo, os oficiais têm a obrigação de impedir a passagem de militantes. Em troca, Israel concordou em encerrar com as incursões para prender extremistas e reduzir as restrições de movimentação aos 40 mil moradores da região. Muitos deles passaram o dia observando o desmonte dos postos e o carregamento dos caminhões israelenses.
Outros se mostravam desapontados pelo fato de a devolução não ter incluído a proibição de frequentar o cassino da cidade, um dos hábitos preferidos dos palestinos durante os anos de calmaria na década de 90. Na época, mais de 3 mil jogadores enchiam os salões do prédio todos os dias.
- Precisamos dessa autorização porque o cassino trazia dinheiro para a cidade e era a nossa principal fonte de renda. Sem isso, a desocupação não vai fazer muita diferença - reclamava Ali al-Hilo, um comerciante local.
Nem todos eram tão pessimistas. Enquanto o Exército de Israel se retirava, vários palestinos torciam para que os turistas e peregrinos voltassem e em número muito maior à cidade de 10 mil anos de História.
- Eles poderão vir e Jericó vai recuperar a prosperidade - torcia o dono de restaurante Mohammed al-Eisawi, que só tinha dois clientes nas 20 mesas de seu estabelecimento, na hora do almoço. Apesar dos anos de violência, os comerciantes são os mais dispostos a dar as boas-vindas aos visitantes, mesmo os israelenses.
Jericó sofreu pouco com o levante em comparação com cidades como Nablus e Jenin, e fica localizada longe dos centros populacionais israelenses - por isso Israel preferiu retirar seus soldados de lá primeiro. Mas o conflito arrasou a economia da cidade.
Mesmo assim, houve quem fosse a Jericó para ver suas ruínas. A cidade alega ser a mais antiga do mundo. Peregrinos cristãos vão à montanha onde Jesus teria passado 40 dias e 40 noites sofrendo as tentações do diabo.
A suspensão do bloqueio permitirá que os palestinos possam se locomover livremente no entorno da cidade e ir a outros locais como Ramala, onde funciona a sede politica administrativa da ANP e se concentra o principal ponto de comércio da Cisjordânia. Os militares israelenses, no entanto, permanecem com o controle de uma auto estrada que corre ao longo do Rio Jordão, considerada um eixo de tráfego importante.
O primeiro-ministro Ariel Sharon já adiantou que a retirada das outras cidades previstas será feita por etapas. Tulkarem, Ramala, Qalqilya e Belém experimentaram situações de violência muito mais graves que as registradas em Jericó. O governo de Israel quer primeiro ter certeza que Abbas conseguiu armar e treinar forças suficientes para deter o total controle da situação e impedir ataques saídos da região.
Uma pesquisa divulgada ontem revelou que 84% dos palestinos e uma proporção semelhante de israelenses querem que a calma volte para que as negociações de paz deslanchem.