Título: A pimenta explosiva e o coração do cronista
Autor: João Bernardo Caldeira
Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2005, Caderno B, p. 1

''Quero pedir o aplauso de vocês para estes músicos maravilhosos, que estão tocando hoje comigo pela última vez.'' Assim, Elis Regina avisou à platéia de seu show que estava demitindo, em cena aberta, toda a banda que a acompanhava. O relato é de Joyce e está em seu delicioso livro de crônicas Fotografei você na minha Rolleyflex (Multimais Editorial, 1997). A Pimentinha (apelido adquirido no início da carreira, talvez pelo poder de fogo) não era moleza. Emoção à flor da pele, cantou a vida entre misturas explosivas que a levaram dos píncaros à morte precoce, com 36 anos de idade. O Brasil não sabia quem era aquela espoleta, baixinha e cheia de movimentos largos de braços, com um sorriso escancarado, até o dia 6 de abril de 1965, quando foi realizado o I Festival de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior. Foi ali que Elis Regina surgiu esplendorosa, defendendo a canção vencedora, Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Foi um sucesso absoluto.

Outras músicas que participaram do festival foram Valsa do amor que não vem, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, e Sonho de um carnaval, de Chico Buarque. Teve início ali a série de festivais da Música Popular Brasileira, promovidos posteriormente pela TV Record e que dariam projeção a inúmeros cantores e compositores brasileiros, como Geraldo Vandré, Milton Nascimento, Nara Leão, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes.

Vale lembrar que num 17 de março que nem este nasceu também (em Recife, PE, 1921) o cronista e compositor Antônio Maria, o homem do Ninguém me ama que foi amado por tanta gente. Escritor de pena firme, olhar de lince e coração derramado, foi, segundo Chico Anysio, o único homem que ele viu morrer de amor. Era louco por uma mulher linda e não resistiu ao ser trocado por um talentoso diretor de jornal. De temperamento também explosivo, que nem a Pimentinha gaúcha, sofreu um infarto no ano sem graça de 1964, dia 15 de outubro. Deixou canções inesquecíveis, como Quando tu passas por mim, Manhã de carnaval e Samba de Orfeu. E textos que fazem qualquer cronista morrer de inveja.