Título: Mesa vive dia de incerteza
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2005, Internacional, p. A9
Aprovação parcial de Lei sobre petróleo levaria a recuo na antecipação de eleições
LA PAZ - O presidente da Bolívia, Carlos Mesa, viveu um dia de incerteza ontem, depois de o principal líder oposicionista do país ter ameaçado rejeitar o pedido para antecipar as eleições, anunciada pelo dirigente de forma inesperada. Mesa havia apresentado projeto de lei na terça-feira convocando eleições presidenciais em agosto, dois anos antes do previsto. Segundo ele, a manutenção dos protestos de rua contra seu governo havia paralisado a economia boliviana e o impedia de administrar o país.
No entanto, a aprovação parcial pelo Congresso de uma polêmica lei para o setor energético e boatos sobre a possibilidade de ser inconstitucional o pedido para antecipar o pleito podem ainda fazer com que Mesa mude de idéia, dizem analistas e deputados.
- Queremos que continue no cargo - afirmou o congressista Evo Morales, chefe do principal partido de oposição, o Movimento Rumo ao Socialismo. - Nós e outros partidos achamos que a proposta de antecipação é inconstitucional - completou, avisando que os grupos políticos estudariam o caso em uma sessão que entraria pela madrugada.
A Bolívia é palco, há semanas, de protestos de rua contra o programa econômico de Mesa. Os bloqueios nas estradas provocaram falta de alimento nas grandes cidades e custam ao país, o mais pobre da América do Sul, milhões de dólares por dia. Os manifestantes atacam principalmente a Lei de Hidrocarbonetos, que a câmara aprovou ontem. O projeto, que visa a encorajar o investimento estrangeiro na exploração das grandes reservas de gás natural do país, ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Mesa dissera anteriormente que a passagem do projeto pelo Congresso era uma condição para sua permanência, e a aprovação pode levá-lo a mudar de idéia. De outro lado, não se descarta a possibilidade de Mesa renunciar se o Legislativo não endossá-lo. Os grupos contrários à lei, principalmente os indígenas - a camada mais numerosa e mais pobre da Bolívia - temem que as empresas estrangeiras saqueiem as riquezas naturais sem beneficiar a população em geral.
Alguns pontos da proposta são criticados até por membros do governo, como o ministro do Petróleo, Guillermo Torres.
- Se sair assim, não vai durar 15 dias e vamos ter problemas terríveis - disse Torres, temendo a possibilidade, já confirmada, de as empresas petrolíferas que atuam no país recorrerem à Justiça. As empresas não concordam com a taxação imediata de 32% em cima da produção total. O governo defende um aumento de impostos gradual, discriminando campos de extração grandes dos pequenos e com a possibilidade de ser deduzido de outros impostos.
A terceira opção é do Movimento ao Socialismo (MAS), que, em vez de criar um novo imposto, propõe aumentar os royalties, que é um pagamento fixo sobre a produção por explorar recursos naturais, de 18 a 50%. Isso obrigaria as companhias a rever seus contratos. Segundo Torres, a proposta aprovada pela câmara no fundo ''é a mesma'' que a do MAS, liderado por Morales, porque nos dois casos são tributos que não podem ser deduzidos de outros pagamentos.
Uma das principais companhias estrangeiras que atuam na Bolívia, a British Gas advertiu ontem que pode acionar o Estado para fazer com que seu contratos seja respeitado. A multinacional opera 15% das reservas de gás do país, estimadas em mais de 28 trilhões de metros cúbicos, e a segunda maior da América do Sul.