Título: O ajuste que falta
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/03/2005, Opinião, p. A10

Os 15 anos do Plano Collor - completados ontem com as pesarosas lembranças de sempre - sugerem reflexões relevantes sobre os dilemas que ainda hoje afligem a economia brasileira. Naquele março de 1990, o mais traumático plano econômico da Nova República decretava o bloqueio de todos os depósitos que excedessem 50 mil cruzados - da conta corrente à poupança. Também impôs um imposto de 15% sobre os ativos não-financeiros (ouro e ações, por exemplo). Às voltas com o pasmo coletivo brasileiro, o plano fracassou. Tentava-se, ali, reduzir o excesso de dinheiro circulante para debelar o processo inflacionário. Um gesto sem efeito, conforme a história revelou. O choque sofrido pela sociedade brasileira, no entanto, assim como o desastre político em que se tornou o governo do presidente Fernando Collor de Mello, acabaram contribuindo para que se esmaecesse a imagem de que havia sido lançada ali a pedra fundamental do Plano Real, o mais bem-sucedido plano de ajuste monetário do país. Sabe-se hoje, por exemplo, que o economista André Lara Rezende chegou a apresentar a Collor um esboço do futuro Plano Real - mas não havia mais tempo, nem condições políticas para executá-lo.

Os dois planos pecaram, entre outras coisas, pela ausência de um compromisso férreo com o ajuste fiscal. Mesmo o Plano Real - a mais consistente de todas as tentativas antiinflacionárias - viveu os primeiros anos sem tal ajuste, o que veio ocorrer somente em 1999. Porém, apesar do esforço da dupla Pedro Malan-Armínio Fraga, não foram obtidos grandes avanços.

Durante muito tempo, o Estado brasileiro contraiu compromissos que se revelaram incompatíveis com os recursos disponíveis. As contas, de fato, eram fechadas via inflação ou via endividamento. As fragilidades econômicas que hoje persistem no país são decorrentes em grande parte da inexistência de ajustes mais consistentes. A equipe econômica, conduzida pelo ministro Antonio Palocci, sabe dessa importância. É necessário, contudo, muito mais do que o empenho da Fazenda para que as contas públicas demonstrem saúde suficiente para garantir maior estabilidade à economia.

Como o Plano Collor demonstrou, sem um grande acordo em todos os níveis - entre Executivo, Legislativo e Judiciário - e endossado pela sociedade, será difícil ajustar a máquina pública para patamares razoáveis. Desse desafio depende o futuro - com estabilidade e crescimento - do país.