O Estado de São Paulo, n. 46851, 25/01/2022. Metrópole, p.A17

 

 

Lewandowski suspende decreto que liberava construção em cavernas

 

 

Texto de Bolsonaro alterava regras de proteção de formações geológicas; ministro do STF viu risco de 'danos irreversíveis'


WESLLEY GALZO
 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a suspensão de trechos do decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que alterava regras de proteção de cavernas e permitia a intervenção comercial nessas formações geológicas com o objetivo de realizar obras e empreendimentos considerados de utilidade pública pelo governo.

No despacho, Lewandowski defende a suspensão do ato presidencial diante do "risco de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas e suas áreas de influência". A decisão foi dada em ação apresentada pela Rede Sustentabilidade, que recorreu ao STF com pedido de decisão liminar (provisória), alegando que as determinações do decreto "violam a Política Nacional de Biodiversidade e vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da Diversidade Biológica".

O partido argumenta que, sob a justificativa de estimular a geração de empregos e o desenvolvimento, Bolsonaro "reduz a proteção de todas as cavernas no País" ao permitir a instalação de empreendimentos do setor de construção, por exemplo, em áreas de maior complexidade geológica e ambiental. "Com o novo decreto, essas cavidades agora estão vulneráveis à exploração minerária e poderão sofrer impactos negativos irreversíveis – e inclusive serem suprimidas", argumenta a Rede.

DECISÃO. Na decisão, Lewandowski reconheceu a legitimidade de parte dos argumentos do partido e enfatizou que as disposições contidas no decreto "ameaçam áreas naturais ainda intocadas ao suprimir a proteção até então existente, de resto, constitucionalmente assegurada". A partir desses argumentos, o ministro determinou, portanto, a suspensão dos artigos 4.º e 6.º do ato presidencial, que dispõem, respectivamente, sobre a exposição de cavernas com grau máximo de relevância a danos irreversíveis mediante autorização de órgão ambiental competente e a autorização de funcionamento de empreendimentos nessas regiões.

"Como se vê, sem maiores dificuldades, o Decreto 10.935/2022 imprimiu um verdadeiro retrocesso na legislação ambiental pátria, ao permitir – sob o manto de uma aparente legalidade – que impactos negativos, de caráter irreversível, afetem cavernas consideradas de máxima relevância ambiental, bem assim a sua área de influência, possibilidade essa expressamente vedada pela norma anterior", escreveu Lewandowski. O ministro cita ainda avaliações de estudiosos da Universidade de São Paulo (USP). Para eles, a flexibilização das balizas legais por meio do decreto levará à destruição de ecossistemas subterrâneos. "A exploração dessas áreas, ademais, tem o condão de ocasionar o desaparecimento de formações geológicas, marcadas por registros únicos de variações ambientais e constituídas ao longo de dezenas de milhares de anos, incluindo restos de animais extintos ou vestígios de ocupações pré-históricas." •