O Estado de São Paulo, n. 46517, 25/02/2021. Metrópole, p. A11
Pandemia completa 1 ano e País chega a 250 mil mortos, na pior fase da doença
Gonçalo Junior
25/02/2021
Brasil alcança maior média móvel de óbitos e maior sequência de dias com mais de mil mortes, em meio a vacinação lenta e à tendência de crescimento nos registros; quadro incerto e avanço de variantes do vírus também levam a mais restrições e preocupam especialistas
Doze meses após o registro do primeiro caso da covid-19, o Brasil superou ontem a marca de 250 mil mortos e vive a pior fase da doença, com avanço rápido e recorde de óbitos, vacinação lenta e maior necessidade de medidas restritivas para evitar colapso de sistemas de saúde locais. Especialistas afirmam que a pandemia continua sem controle no País, que ainda registrou ontem a maior média móvel de mortes:1.129.
Até as 20 horas desta quintafeira, foram 250.079 óbitos, conforme levantamento do consórcio de imprensa. Em 24 horas, houve mais 1.433. Desde o dia 21 de janeiro, o País apresenta média de mais de mil mortes, o que significa 34 dias consecutivos, período mais longo com esse patamar alto desde o início da crise – o marco anterior era de 31 dias, entre 3 de julho e 2 de agosto de 2020.
"Além de os dados já apontarem para uma piora com relação ao momento mais crítico de 2020, a tendência é de aumento dos índices epidemiológicos. Existe o temor da circulação de novas cepas, mais agressivas e que com maior capacidade de disseminação", avalia Wallace Casaca, matemático da Unesp e um dos responsáveis pela plataforma SP Covid-19 Info Tracker. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil já identificou novas cepas em exames de 204 pacientes, número também recorde. São 20 casos da variante do Reino Unido e 184 da brasileira, originária no Amazonas, mas já presente em 17 Estados até 20 de fevereiro.
Quando o País atingiu 100 mil mortos, no dia 8 de agosto do ano passado, a média móvel de vítimas indicava um início de queda e cidades e Estados flexibilizaram restrições e desativaram hospitais de campanha. No mês de outubro, na marca dos 150 mil, o cenário era semelhante. Chegou-se aos 200 mil em 7 de janeiro e bastaram apenas mais 48 dias para alcançar os 250 mil. Ao contrário da Europa, que teve claramente uma primeira e uma segunda ondas, o número de novas infecções e óbitos nunca arrefeceu no Brasil. E hoje a curva de casos e mortes é ascendente.
A gravidade espelhada pelos dados estatísticos ganha contornos reais quando se observa que nos primeiros 54 dias do ano no Amazonas o número de mortes por covid-19 já ultrapassou o total do ano passado – 5.288 só neste ano. No Rio Grande do Sul, as UTIS dos cinco maiores hospitais de Porto Alegre não têm mais vagas e nos 299 hospitais do Estado o porcentual de ocupação de vagas nas UTIS é de 87%. São Paulo, que detectou o primeiro caso e responde pelo maior número de registros desde o início, ampliou restrições ontem , alegando risco de colapso nas UTIS em três semanas.
Para a microbiologista Natália Pasternak, os números mostram que o Brasil aprendeu pouco. "Enquanto o mundo inteiro juntou conhecimento sobre o vírus e a transmissão da doença, estamos num ritmo de proliferação acelerado. Grande parte da população nega a gravidade da pandemia e a própria pandemia. Aglomerações em bares, restaurantes e festas oferecem condições propícias para o vírus. Esses 250 mil são um símbolo da nossa incapacidade de gerir a pandemia", afirma a presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC). O sentimento é compartilhado por Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). "Essa marca significou o coroamento do nosso fracasso no enfrentamento da pandemia. Diferentemente de outros países, a gente não tem o comando central federal para tentar uma guinada no tratamento da doença. A gente continua na mesma caminhada e, por isso, não temos como chegar a um lugar diferente", alerta.
Lenta vacinação. A urgente vacinação de toda a população é vista como a única estratégia para começar a mudar esse cenário. É o que indicam as experiências de outros países, como Israel, onde casos e hospitalizações caíram drasticamente em apenas algumas semanas entre os vacinados com a primeira dose. Nos Estados Unidos, mais de 61 milhões de pessoas foram imunizadas, cerca de 13% da população elegível. Com isso, o país registrou queda de 44% na média móvel de novos casos e de 35% na média de mortes, conforme monitoramento do The New York Times.
No Brasil, o atraso nas compras de vacina, insumos e no registro dos produtos, além da falta de uma coordenação nacional de logística, preocupam os especialistas. O município do Rio, por exemplo, retoma nesta quinta-feira a vacinação para idosos em geral. Por falta de doses, a campanha estava suspensa desde a quarta-feira passada. "É como se o País, mesmo sendo um grande produtor agrícola, estivesse passando fome", compara Rodrigo Stabeli, pesquisador da Fiocruz e professor de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), referindo-se à grande capacidade de vacinação.
Comparando a velocidade de imunização, Casaca avalia que o País fica para trás na comparação do porcentual da população vacinada. "Em termos de imunização absoluta, o Brasil está abaixo de países como EUA, Reino Unido e Índia, mas acima de referências como Israel. Por outro lado, quando analisamos os dados relativos ao porcentual da população imunizada em cada país, os números do Brasil são ainda bastante tímidos e preocupantes. No cenário de cobertura vacinal, o País é um dos últimos nessa corrida."
Para recuperar terreno, Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, avalia que as próximas semanas devem ser focadas em estabelecer acordos relevantes para aquisição de vacinas. "A gente precisa conseguir maior número de doses."
Restrições. Diante da escassez de vacinas e do aumento de casos e mortes, prefeitos e governadores estão adotando medidas mais restritivas. Hoje, 4 Estados adotam o toque de recolher (Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul e Paraná). São Paulo adotará maior restrição a partir desta sexta-feira. Dentro do Estado, cidades como São Bernardo já adotaram toque de recolher e lockdown (Araraquara).
Os especialistas concordam com as medidas de restrição. "Se a gente não tomar decisões duras ainda no mês de fevereiro, teremos um péssimo mês de março", diz Carlos Lula, presidente do Conass. "E é preciso pensar as restrições no contexto de uma circulação maior das variantes do vírus", alerta o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz.
O que já se perdeu
Desde que ocorreu a primeira morte, perdeu-se o equivalente às populações de Marília (SP) e de Novo Hamburgo (RJ). E o total de vítimas pode ser ainda maior, considerando a subnotificação.
Cenário
"Esses 250 mil mortos são um símbolo da nossa incapacidade de gerir a pandemia no Brasil."
Natállia Pasternak
MICROBIOLOGISTA
"A tendência é de aumento de índices."
Wallace Casaca
MATEMÁTICO DA UNESP