O Estado de São Paulo, n. 46854, 28/01/2022. Notas e Informações, p.A3

 

 

O dilema das usinas na Amazônia

 

 

 

Estudos sobre novas hidrelétricas no Norte precisam estimar todos os custos com realismo para permitir à sociedade fazer escolha consciente

 

A retomada de estudos sobre a construção de hidrelétricas na Região Amazônica é uma boa notícia para o País, desde que os custos desses empreendimentos sejam devidamente catalogados e alocados nos projetos, e não apenas nas tarifas pagas pelo consumidor. Como o Estadão revelou, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a Eletrobras e sua subsidiária Eletronorte a elaborarem relatórios sobre a viabilidade técnica e econômica das Usinas de Jamanxim, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos Patos, na Bacia do Rio Tapajós, no Pará. Juntas, elas teriam capacidade de produzir energia suficiente para abastecer mais de 3 milhões de famílias.

A despeito das necessidades de expansão do sistema elétrico e do aumento de sua confiabilidade, evidenciadas ao longo de 2021, quando o País esteve à beira de apagões, a ideia só terá alguma chance de sucesso se todos os riscos do projeto forem devidamente considerados. Os desafios vão muito além de questões socioambientais. Embora seja plenamente possível construir usinas de grande porte na Região Norte, não se trata de tarefa fácil ou barata, e os problemas permanecem mesmo depois de anos de sua conclusão. É o caso das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, e de Belo Monte, na Bacia do Xingu.

Licitadas com alarde pelo critério da menor tarifa durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, essas três usinas são alvo recorrente de propostas de parlamentares que tentam socorrê-las por meio de jabutis embutidos em medidas provisórias. Os consórcios formados para disputa desses empreendimentos contaram com a participação de subsidiárias da Eletrobras, uma garantia de que não haveria obstáculos para renegociar as “patrióticas” taxas de retorno previamente estabelecidas. Em um enorme conflito de interesses, grandes construtoras se associaram aos projetos e contratavam a si mesmas para tocar as obras. Elevar os gastos era de interesse da empreiteira, enquanto a cobertura dos custos era dividida entre todos os integrantes da concessionária – que, depois, repassavam tudo para as contas de luz.

Outra despesa que foi menosprezada à época foram as redes de transmissão. As três usinas exigiram a viabilização de linhas de mais de 2 mil quilômetros de extensão para transportar eletricidade até a Região Sudeste, onde fica o maior mercado consumidor. Para reduzir o valor do investimento necessário, o governo propositalmente subestimou os custos dessa estrutura para os geradores, e quem pagou a conta, como sempre, foi o consumidor. Por fim, quem financiou 70% das obras foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas subsidiadas bancadas pelo Tesouro Nacional. Nem mesmo todos esses artifícios foram suficientes para resolver as dificuldades econômico-financeiras dessas usinas.

O potencial hidráulico inexplorado no País se concentra justamente na Região Norte. Nos últimos nove anos, porém, nenhuma usina de grande porte foi licitada, enquanto projetos cujos reservatórios afetariam diretamente terras indígenas tiveram o licenciamento ambiental arquivado. Dar andamento a esses estudos em um momento em que a política ambiental e indigenista do País é questionada no exterior pode ser um entrave. Por outro lado, um parecer que contemple compensações às comunidades afetadas pode ser encarado como uma sinalização de que o País levará a sério os compromissos de descarbonização. Por fim, não se pode ignorar o efeito das mudanças climáticas na região, que pode trazer impactos profundos no regime de chuvas e nos rios – e, consequentemente, na vazão das hidrelétricas, aumentando os gastos necessários e reduzindo o retorno do investimento. Todos esses fatores precisam ser estimados com precisão para que a sociedade possa fazer uma escolha consciente entre as diversas fontes de energia. Construir usinas na Região Amazônica é possível e pode ser de interesse da coletividade, mas levantar esses custos de forma artificial é seguir o caminho do fracasso que o País já conhece bem.