Título: À dependência da autonomia
Autor: Rodrigo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2005, País, p. A3

Não cheira bem um projeto que precisa se mover das mãos do Planalto para as cabeças do PMDB. Uma explícita traquinagem política para livrar o governo de desgastes adicionais. O temor é justificável: o projeto que concede autonomia formal ao Banco Central (BC), cujo DNA foi transferido para o senador paraibano Ney Suassuna, é danoso ao país. Uma operação de risco, capaz de fazer o PT-governo envergonhar-se de assumir a paternidade. Se passar, estarão instituídos mandatos fixos de quatro anos, não coincidentes com o do presidente da República, para a diretoria do banco. O argumento segue o roteiro de sempre: a segurança institucional; a conquista da credibilidade dos ''mercados''; a luz no fim do túnel para a tão desejada redução dos juros.

Lorota.

O presidente Lula parece não se ter dado conta de que nem 10 anos sucessivos de ortodoxia econômica serão capazes de fazer os ''mercados'' julgarem o PT-governo mais confiável do que, por exemplo, PSDB ou PFL. Aliás, no fundo, o discurso sobre credibilidade é uma enganação do mercado para a mera obtenção de dividendos, mas isso é uma outra história.

Além de tornar o voto do cidadão uma peça mais inútil do que já é, a autonomia do BC é inconveniente por problemas igualmente inquietantes. O nó, diga-se, está justamente onde o projeto é mais elogiado pelos defensores da equipe econômica: a perspectiva de que a direção não será mais demissível ad nutum, como se diz.

OK, é fato que mandatos fixos não vão proteger os diretores de afastamento motivado por crimes de qualquer natureza. O risco, porém, é que se escondam sob os mandatos para fugir ou protelar investigações - como fazem, por exemplo, vereadores, deputados e senadores. Um desastre para o governo e para o próprio Banco Central.

Tão trágico quanto a relação íntima que os diretores têm hoje com os bancos particulares. Alguém duvida? Basta consultar o currículo dos nomes que adornam a diretoria do BC - e que rumo tomaram os ex-diretores. Autonomia formal significará o aprofundamento da dependência da instituição aos interesses financeiros privados. Menos do que muitos gostariam, mais do que o país tem condições de suportar.