O Estado de São Paulo, n. 46856, 30/01/2022. Política, p.A9

 

Centrão busca em cidades pequenas seguir no controle do Congresso

 

 

 

Desde 2010, deputados federais do bloco conquistaram votos em 95% de todos os municípios do País; apoio se concentra em localidades com média de 15,5 mil eleitores


ANDRÉ SHALDERS
 

O Centrão, bloco de partidos que dá as cartas na política nacional, tem o controle quase absoluto de boa parte das pequenas cidades do País, uma base capaz de se perpetuar independentemente da eleição presidencial deste ano. Um levantamento feito nas últimas semanas pelo Estadão revela que o grupo considerado fisiológico tem votos em quase todos os municípios e que 1.294 deles elegem prioritariamente deputados federais desse campo político. Representantes do Centrão são bem votados e costumam se reeleger utilizando uma engrenagem poderosa, que envolve a distribuição de verbas da União para prefeitos aliados.

Mesmo com a má fama do bloco, todos os pré-candidatos ao Palácio do Planalto, em outubro, já acenaram para composições com os três principais partidos do grupo, Progressistas, PL e Republicanos, além de legendas menores como Patriota, Avante, PSC e PROS. Juntas, essas sete siglas têm, hoje, 152 deputados federais e projetam aumentar esse número. Uma das características do Centrão é estar sempre na órbita dos governos.

O grupo controla da Câmara dos Deputados, comandada por Arthur Lira (Progressistas-AL), à Presidência da República, com Jair Bolsonaro, filiado ao PL, partido de Valdemar Costa Neto. No atual governo, o bloco passou a dominar até o Orçamento, com os remanejamentos de verbas avalizados pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que é presidente licenciado do Progressistas.

CAMPEÃ. Maranhãozinho (MA), de apenas 14 mil habitantes e às margens da BR 316, está entre as cem cidades mais pobres do País, segundo o IBGE. É também a campeã de votos no Centrão. Nas eleições de 2010, 2014 e 2018, a cidade deu 74,6% dos votos para deputados federais e partidos do grupo político. Na última, o deputado mais votado foi Josimar Maranhãozinho (Progressistas), com 83,5% da preferência. Recentemente, ele foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, sob a suspeita de desviar verbas do orçamento secreto destinadas à Saúde – o deputado nega as acusações. Em segundo lugar está Guararema (SP), base do deputado Márcio Alvino (PL).

Na última semana, a reportagem do Estadão esteve em três cidades do interior de Goiás que estão entre as que mais deram votos ao Centrão, proporcionalmente. Gameleira de Goiás, Marzagão e Jesúpolis estão entre os 10% dos municípios do País que mais elegem candidatos do bloco. Nas três localidades, o mesmo cenário: os votos vão para os deputados federais que têm apoio dos prefeitos – e os prefeitos apoiam quem leva recursos federais para as cidades.

EMENDAS. Marzagão está distante 166 quilômetros em linha reta de Gameleira de Goiás. Em 2020, os 2,2 mil habitantes do local elegeram Solimar Cardoso de Souza, do PSC, para comandar a cidade. Sob o novo prefeito, o local vem conseguindo captar recursos federais e estaduais com emendas de políticos como os deputados federais Glaustin da Fokus (PSC) e Adriano do Baldy (Progressistas), além do deputado estadual Amauri Ribeiro (PRP). O dinheiro permitiu recapear ruas e reformar a escola municipal, onde algumas salas agora têm ar-condicionado – comodidade rara na rede básica de ensino. "Não é como antigamente, que dizia que ia vir a verba, mas nunca chegava", afirmou o motorista Lindomar Gomes da Silva.

'CENTRO'. Hoje ministro e um dos principais líderes do Centrão, Ciro Nogueira afirmou que seu partido é de centro-direita, mais do que representante do bloco. "Eu milito na política, com mandato, desde 1994. Nunca foi aprovado nada no Congresso, nenhuma tese prosperou no País, sem o apoio dos partidos de centro", disse ele ao Estadão.

Nogueira rejeita a ideia de que o grupo só se movimente por interesses fisiológicos. "Nós começamos, e não foi só o Progressistas, a apoiar o governo muito antes de qualquer técnico do nosso partido ser escolhido para ministérios ou para cargos públicos."

Outro líder do bloco que critica o rótulo é o deputado Marcos Pereira (SP), bispo da Igreja Universal e presidente nacional do Republicanos. "O termo 'Centrão' é uma tentativa infantil de rotular alguns partidos que atuam como centro moderador. Não é um grupo, nem uma coligação, nem uma entidade formal", afirmou o dirigente.

Desde 2010, os deputados federais do Centrão tiveram votos em 5.298 municípios brasileiros – ou seja, em 95% de todas as cidades do País, espalhadas nas 27 unidades federativas. O apoio ao bloco é também um fenômeno consistente no tempo: desde 2010, o grupo obteve 22,1% dos votos para deputado, em média, em todo o Brasil. Em 2018, juntos, as sete siglas do grupo registraram 24% dos votos para a Câmara.

'PADRÃO'. Ao contrário do que sugere o senso comum, o voto no Centrão não está concentrado na Região Nordeste. O bloco partidário tem votos em cidades com número médio de 15,5 mil eleitores. Já nas cidades em que vai pior, o colégio eleitoral médio é de 20,9 mil. "As prioridades dos eleitores em cidades menores são diferentes daquelas dos grandes centros", disse o professor Felipe Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nunes observou que isso ajuda a explicar a concentração de votos do Centrão nas cidades pequenas. "Se você pegar as cidades com mais de 50% dos votos para o Centrão, vai ver que o colégio eleitoral médio é de 27 mil. São cidades abaixo de 30 mil eleitores que concentram o voto", afirmou o professor. "O Centrão é alimentado por um padrão de votação de cidades pequenas, onde você ainda tem um modo de organização social e política mais tradicional."