O Estado de São Paulo, n. 46856, 30/01/2022. Política, p.A10
Presidente afirma que decisão de não depor tem 'suporte' em julgamento do STF sobre questionamento feito pelo partido
RAYSSA MOTTA
FAUSTO MACEDO
O presidente Jair Bolsonaro usou uma ação do PT contra a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para justificar sua ausência no depoimento à Polícia Federal que estava marcado para anteontem. Bolsonaro desobedeceu a ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e não compareceu para depor no inquérito que apura o vazamento de um inquérito sigiloso da PF sobre um ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Exercerei o direito de ausência quanto ao comparecimento à solenidade na sede da superintendência da PF (...), tudo com suporte no quanto decidido pelo STF no bojo das ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n.º 395 e 344", diz a declaração assinada por Bolsonaro e revelada pelo estadao.com.br. O documento foi entregue à delegada responsável pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco, que foi à Superintendência da PF em Brasília, na tarde de anteontem, para levar a justificativa.
A ação mencionada pelo presidente na declaração foi apresentada pelo PT depois que o então juiz Sérgio Moro determinou, em 2016, a condução coercitiva de Lula para prestar esclarecimentos nas investigações sobre o triplex do Guarujá (SP) e o sítio de Atibaia (SP).
Foi a partir dessa ação que os ministros do Supremo derrubaram, em 2018, o artigo 260 do Código de Processo Penal, que previa a condução forçada de réus e investigados que se recusassem a prestar depoimento. O plenário da Corte proibiu a prática, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade que descumprir a regra. A decisão de faltar ao depoimento, afirma Bolsonaro, tem "suporte" no resultado desse julgamento.
'ATIPICIDADE'. No documento, o presidente da República diz que já prestou às autoridades as informações que "reputava pertinentes". Na declaração, Bolsonaro também afirma que, além de abrir mão de ser ouvido pessoalmente, concorda com o envio imediato da investigação para o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se oferece ou não denúncia contra ele. Fala, ainda, em "manifesta atipicidade do fato investigado".
A ausência de Bolsonaro no depoimento reabriu a crise entre o Palácio do Planalto e o
Supremo. Minutos antes do horário marcado para a audiência, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um recurso para desobrigar o presidente de comparecer à PF, mas Moraes negou o pedido e determinou que o depoimento seja mantido. Ele, porém, não especificou uma nova data.
CRIMES. A delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro afirmou ao Supremo que elementos colhidos na investigação sobre a divulgação do inquérito sigiloso apontam "atuação direta, voluntária e consciente" de Bolsonaro no crime de violação de sigilo funcional. No documento enviado à Corte, em novembro, ela disse que só não indiciou o presidente porque, para isso, seria preciso autorização da Corte, uma vez que o chefe do Executivo tem foro por prerrogativa de função.
A AGU sustentou que os documentos não estavam sob sigilo à época em que foram divulgados por Bolsonaro durante transmissão ao vivo nas redes sociais, em agosto do ano passado. Na live, o presidente lançou dúvidas sobre credibilidade das urnas eletrônicas, embora o ataque hacker não tivesse relação com isso.
Bolsonaro é alvo de cinco inquéritos – quatro no STF e um no TSE. Ao não comparecer à PF, anteontem, o presidente cumpriu promessa feita nas manifestações do 7 de Setembro, no ano passado, em São Paulo, quando disse que não acataria ordens de Moraes.
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IANDER PORCELLA
A cúpula do PT vai divulgar uma carta intitulada “Resistência, Travessia e Esperança”, na qual destaca que o partido quer construir pontes com “aqueles que já estiveram do outro lado”. A manifestação é considerada um aceno ao exgovernador Geraldo Alckmin – o ex-tucano é cotado para ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O documento diz ainda que “o momento exige pactos sobre valores necessários para de novo unir o Brasil”.
O comunicado destoa da postura histórica do PT, que, desde sua fundação, estabeleceu relação de forte rivalidade e oposição contundente aos adversários políticos.
Nas articulações para a eleição deste ano, apesar de divergências internas sobre a aliança com Alckmin e com legendas de centro, é de Lula a palavra final. “E, consciente do seu papel, ele já cumpre a missão, edificando pontes com aqueles que já estiveram do outro lado”, afirma outro trecho da carta, obtida pelo Estadão/Broadcast.
O texto foi preparado para um seminário da liderança do PT na Câmara, que ocorrerá amanhã e terça-feira, em Brasília, e terá a presença virtual de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff. O documento é assinado pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR); pelos líderes na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), e no Senado, Paulo Rocha (PA); pelo presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, e pelo presidente do Instituto Lula, Márcio Pochmann. Lopes defendeu a dobradinha com Alckmin. “Temos de ter capacidade de buscar aliados, construir uma boa base de governabilidade. Acho que o Alckmin e o PSD poderiam participar dessa união nacional.”
Nos últimos dias, Lula tem mantido encontros com integrantes de vários partidos que fizeram oposição a seu governo e votaram a favor do impeachment de Dilma. O ex-presidente também procurou a “velha guarda” do PSDB. Esteve com o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira e com o senador Tasso Jereissati (CE).
O ex-presidente tem mandado recados para a ala mais à esquerda da sigla, que critica possível acordo com Alckmin. “Espero que o PT compreenda a necessidade de fazer aliança”, disse ele na quarta-feira passada.