O Estado de São Paulo, n. 46525, 05/03/2021. Política, p. A4

MP do Rio encerra núcleo que investigou "rachadinha"
05/03/2021



Ministério Público. Grupo especial foi responsável pelo inquérito que levou à denúncia de Flávio Bolsonaro; procurador-geral diz que vai apurar compra de casa de R$ 6 mi pelo senador

Senador. Chefe do Ministério Público do Rio disse que aquisição de imóvel de R$ 6 mi por Flávio Bolsonaro será investigada 

O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, encerrou o Grupo de Atuação Especializada e Combate à Corrupção (Gaecc). O núcleo foi responsável pelas principais diligências da investigação na qual o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo esquema de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Ontem, o chefe do MP do Rio negou prejuízo às apurações com a reestruturação interna e também informou que a compra de uma casa de R$ 6 milhões pelo filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro será investigada.

"Gaeco, Gaecc, são todos 'Ministério Público do Rio de Janeiro'. Essas siglas não podem ser maiores que o Ministério Público. Não é um retrocesso. O grupo fez um trabalho importante, mas agora vai crescer de outra forma", afirmou Mattos. "Não há nenhum prejuízo, pelo contrário. Queremos avançar ainda mais. Essas marcas que são criadas apenas por organização interna não podem ser maiores que o Ministério Público."

Sobre a anulação, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), das quebras de sigilo bancário e fiscal de Flávio, o que atinge toda a investigação das "rachadinhas", Mattos foi cauteloso ao comentar o impacto da decisão da Corte. "O julgamento deve ser concluído, e a partir do acórdão é que se produz efeito. Só aí iremos analisar os recursos que poderão ser interpostos. Não posso falar hipoteticamente. Paralelamente, tem mais quatro HCs (habeas corpus) com situações que tangenciam essa decisão."

No STJ, ainda estão pendentes de julgamento outros dois recursos apresentados pela defesa de Flávio que podem levar à nulidade total da investigação sobre desvios na Alerj. Um deles questiona o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público; outro pede a anulação de todas as decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana, que conduziu o processo na primeira instância.

Presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj), o procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Viana também afirmou que as mudanças internas não vão comprometer as apurações. "Uma investigação bem feita não é afetada pela troca dos promotores, e ninguém é insubstituível. As pessoas vão criando vínculos durante o desempenho da função, então é natural que a troca cause apreensão, mas ela é natural e não deve causar prejuízos." O Estadão apurou que o ex-procurador-geral de Justiça Eduardo Gussem, antecessor de Mattos, aprovou a reconfiguração do MP fluminense.

Mudanças. Segundo resolução publicada ontem, os trabalhos do Gaecc serão transferidos para departamentos a serem criados no Grupo de Atuação Especializada e Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Com a mudança, a investigação envolvendo Flávio ficará a cargo da Assessoria Originária Criminal, vinculada ao procurador-geral de Justiça. A coordenação do caso passará para o procurador de Justiça Luciano Lessa.

Os novos braços do Gaeco – o Núcleo de Combate à Criminalidade Organizada e o Núcleo de Combate à Corrupção – vão atuar no combate a milícias, ao tráfico de drogas, à lavagem e ocultação de bens e a crimes contra a administração pública. Na prática, no entanto, a reestruturação tira autonomia do Gaecc. Isso porque a estrutura perde status de grupo de atuação especializada, com coordenação própria, e passa a ser subordinada ao Gaeco. A resolução não esclarece se os promotores do Gaecc, exonerados no fim do ano passado, serão realocados e continuarão atuando em seus respectivos casos ou se as investigações serão redistribuídas. Questionado, o MP do Rio não respondeu até a conclusão desta edição.

Casa. Sobre o imóvel adquirido por Flávio Bolsonaro em Brasília, Mattos disse que o negócio será "objeto de investigação", após o vendedor da casa, Juscelino Sarkis, relatar que parte do valor da residência não foi quitada, apesar de o pagamento constar na escritura.

Sarkis afirmou ao site O Antagonista não ter recebido o valor total do negócio, de R$ 5,97 milhões. Segundo ele, Flávio realizou depósitos que somam R$ 1,09 milhão. Mesmo assim, registrou na escritura do imóvel que recebeu R$ 2,87 milhões de entrada. O restante, R$ 3,1 milhões, foi financiado no Banco Regional de Brasília e já transferido para a empresa de Sarkis.

Indagado sobre a hipótese de uso de dinheiro em espécie na transação, Mattos disse apenas que "existem julgamentos em andamento no Superior Tribunal de Justiça que podem interferir em toda a investigação".

A nova casa do filho do presidente fica no setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul. Flávio, no entanto, registrou o imóvel em um cartório de Brazlândia, a 50 km do Plano Piloto. O valor do imóvel é mais que o triplo do total de bens declarados por Flávio à Justiça Eleitoral em 2018 – R$ 1,74 milhão. O senador afirmou que a casa foi comprada com "recursos próprios" somados a um financiamento. Procurado para comentar as declarações de Sarkis, ele não se manifestou.

'RACHADINHAS'

Relatório do Coaf

No fim de 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras entregou ao Ministério Público relatório que deu início à investigação sobre movimentações suspeitas por funcionários da Assembleia Legislativa do Rio.

Fabrício Queiroz

Como mostrou o Estadão, o relatório apontou movimentação "atípica" de Fabrício Queiroz – R$ 1,2 milhão em 12 meses. ExPM, Queiroz trabalhou no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Alerj.

Movimentações

As movimentações de funcionários ligados ao gabinete de Flávio levantaram suspeita sobre prática da "rachadinha" – esses servidores devolveriam seus salários ao então deputado via Queiroz.

Denúncia

Em novembro do ano passado, Flávio foi acusado formalmente pelo MP do Rio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo a prática de "rachadinha".