O Estado de São Paulo, n. 46525, 05/03/2021. Política, p. A6

STF forma maioria contra limite para ações civis públicas
Paulo Roberto Netto
Rayssa Motta
05/03/2021



Julgamento é interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes; decisão final deverá ser seguida por juízes de todo o País

Online. Luiz Fux preside sessão remota do Supremo que discutiu o limite às ações civis públicas; seis ministros já votaram

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, ontem, para declarar inconstitucional a limitação territorial das decisões tomadas em ações civis públicas. O julgamento, porém, foi interrompido após o pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Gilmar Mendes. A decisão do tribunal criará precedente que deverá ser seguido por juízes de todo o País.

Até o momento, seis ministros votaram para derrubar um artigo da Lei das Ações Civis Públicas (Lei 7.347/1985) que prevê que o alcance das decisões nestes processos valem "nos limites da competência territorial do órgão prolator". O caso concreto em debate no Supremo discutiu um recurso movido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra entidades bancárias.

Em março do ano passado, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes suspendeu todos os processos que discutiam a abrangência territorial até a Corte formar um entendimento geral sobre o assunto. Na sessão de ontem, o ministro considerou que a limitação territorial "fere de morte" os princípios da igualdade, eficiência, segurança jurídica e efetiva tutela jurisdicional.

"A finalidade (do artigo) foi ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, foi ostensivamente limitar o rol dos beneficiários da decisão, por meio de um critério territorial de competência que não se coaduna, a meu ver, com a própria finalidade constitucional de proteção aos interesses difusos e coletivos.

O que se pretendeu foi fracionar a defesa dos interesses difusos e coletivos por células territoriais", disse o ministro.

Em seu voto, Moraes defendeu que o artigo é incompatível com a própria finalidade da ação civil pública. "Há todo um caminho histórico, em virtude de necessidades sociais e a finalidade social protetiva, e há todo um caminho de construção legislativa, jurídica e jurisprudencial sempre no sentido de garantir mais efetividade a esse microssistema processual de proteção a interesses coletivos", declarou. "A alteração realizada no artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública veio na contramão desse avanço institucional", completou.

Na avaliação do ministro do STF, o critério territorial vale para definir o juízo competente para processar as ações, mas não para limitar efeitos das decisões. A tese defendida por Moraes, e acompanhada pelos demais ministros, estabelece ainda que, em casos de múltiplas ações civis públicas sobre o mesmo assunto, o juiz competente para analisá-las será o primeiro magistrado que tomou conhecimento formal de uma delas para julgamento.

O relator foi acompanhado pelos colegas Kássio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Lewandowski destacou que o acesso à Justiça, principalmente para pessoas sem condições financeiras, deve passar pelo fortalecimento das ações coletivas.

Coletivos. Uma ação civil pública busca a reparação e a responsabilização de danos e direitos difusos e coletivos, como infrações ao meio ambiente e a consumidores, por exemplo (mais informações nesta página). Esse tipo de ação pode ser movido pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estados e municípios, por fundações e sociedades de economia mista ou ainda por associações que tenham como finalidade a proteção de direitos coletivos.

Já os cidadãos que queiram promover, sozinhos, uma medida do tipo devem se valer de uma ação popular, quando julgar que o poder público infringiu o patrimônio coletivo.

Atualmente, existem mais de 438 mil ações coletivas registradas no Cadastro Nacional de Ações Coletivas, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A decisão do Supremo, de repercussão geral, pode levar à redução deste número, visto que não haveria mais a necessidade de análise de ações individuais, agilizando o processo.

Cadastro

438 mil é o número de ações coletivas registradas atualmente no Cadastro Nacional de Ações Coletivas, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

PARA ENTENDER

Medidas visam reparar danos

Uma ação civil pública visa à reparação e à responsabilização de danos a direitos "meta-individuais", ou seja, difusos e coletivos. Entram nessa lista infrações ao meio ambiente, a bens históricos, à honra de grupos raciais, étnicos e religiosos, à ordem econômica e a consumidores. As medidas podem ser tomadas contra órgãos públicos, empresas e autoridades. Os danos que motivam uma ação civil pública podem ser de natureza moral ou material. Foram movidas ações do tipo, por exemplo, nos casos dos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho (MG), para a reparação de danos ambientais e ressarcimento dos moradores das regiões afetadas.