O Estado de São Paulo, n. 46525, 05/03/2021. Política, p. A7

Jurídico do Exército apontou risco de afrouxar controle sobre armas
Pedro Prata
05/03/2021



Em parecer, assessoria alertou que decretos editados pelo governo podem 'fragilizar' a segurança pública

A Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos do Exército deu parecer favorável às alterações feitas pelos quatro decretos publicados pelo Executivo para ampliar o acesso a armas e munições, mas fez uma ressalva. A análise da assessoria, obtida pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação, observou que a modificação do § 5.º do art. 34 do Decreto 9.847/19 "poderá ter como consequência uma fragilização para a segurança pública e para a política de Estado inaugurada pelo Estatuto do Desarmamento".

O trecho em questão prevê que caso o Exército demore mais de 60 dias úteis para analisar pedidos feitos por órgãos de segurança e corporações policiais para a importação de armas, munições e demais produtos de uso restrito, a autorização será tacitamente concedida. Mesmo após ressalva feita pela assessoria, este trecho foi mantido no decreto.

"Embora a previsão seja juridicamente viável, observa-se, apenas, que a previsão contida no §5º-B proposto poderá ter como consequência uma fragilização para a segurança pública e para a política de Estado que foi inaugurada com o Estatuto do Desarmamento, de controlar ou limitar a disseminação de armas de fogo no País", alerta a assessoria, que faz um exame técnico dos documentos e não entra nos aspectos políticos ou no mérito administrativo.

O Ministério da Defesa e o Comando do Exército informaram ao Estadão que consideram o prazo de 60 dias "como razoável e necessário, uma vez que não seria apropriado ter uma solicitação aguardando indefinidamente" e que está de acordo com o "paradigma estabelecido pela Lei de Liberdade Econômica". O Exército afirma tomar a medida para atender o prazo estabelecido e que a consultoria "emitiu parecer jurídico atestando a regularidade jurídica integral do referido Decreto".

A assessoria destaca que a previsão de autorização tácita diante de ausência de manifestação da Administração Pública, ou o "silêncio administrativo", não possui jurisprudência consolidada. Citando decisão do ministro Ricardo Lewandowski que vetou a autorização tácita na regulamentação de agrotóxicos, a assessoria sugere que este ponto do decreto "mereceria maiores estudos sobre sua conveniência, haja vista constituir um ponto facilitador para a disseminação de armas de fogo no País".

A assessoria comentou ainda que o estatuto "ainda há de ser considerada a matriz ou centro de gravidade ao redor do qual a lei e suas normas regulamentares orbitam, independentemente das eventuais alterações ou concessões que possam ser veiculadas em seus textos."

A análise termina dizendo que diante das divergências jurisprudenciais, é preciso levar em consideração "os valores a serem protegidos pela lei". Nesse sentido, ressalta que o Estatuto do Desarmamento inaugurou uma política de Estado para combater os "altos índices de violência" ao controlar e diminuir a circulação de armas.

'Desburocratizar'. Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência afirmou que as medidas pretendem "desburocratizar procedimentos, aumentar a clareza das normas que regem a posse e porte de armas de fogo e a atividade dos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), reduzir a discricionariedade de autoridades públicas na concessão de posse e porte de armas e ampliar as garantias de contraditório e ampla defesa dos administrados".

Os ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), que assinam o decreto com o presidente Jair Bolsonaro, disseram que os decretos "tiram entraves desnecessários" na aquisição de armas e munições. Também afirmaram que as medidas regulamentam a prática de tiro desportivo e recreativo, facilitando para o cidadão a capacitação para o manuseio de armas de fogo.

A flexibilização do acesso às armas é uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro. O Instituto Sou da Paz contabilizou mais de 30 atos normativos publicados sobre o assunto pela atual gestão, e lembra que dados preliminares de 2020 indicam aumento nos homicídios mesmo em ano de isolamento social.