O Estado de São Paulo, n. 46525, 05/03/2021. Esportes, p. A14

Futebol se divide sobre parar de novo
Ciro Campos
05/03/2021



Com o agravamento da pandemia no País, movimento pela interrupção dos torneios cresce, mas há quem defenda continuar

A temporada 2021 do futebol brasileiro começou há poucos dias e já encara a primeira polêmica. A continuidade das competições mesmo com o crescimento dos casos de covid-19 em todo o País causou um "racha" de opiniões. Embora a preocupação com a pandemia e com as mutações do vírus seja unânime, não há consenso sobre se o futebol deve novamente parar, como no ano passado, quando houve interrupção de quatro meses dos jogos.

A voz mais contundente contra a situação atual da pandemia é o técnico Lisca, do América-MG. Quarta-feira, antes do jogo com o Athletic, pelo Campeonato Mineiro, ele criticou a realização de partidas da Copa do Brasil nas próximas semanas. "Nosso país parou, gente. Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, amigos treinadores. É hora de segurar a vida. Aqui no Mineiro tudo bem, é mais perto, mas como vão levar uma delegação do Norte para o Sul?", disse.

Lisca apelou para o bom senso do presidente da CBF, Rogério Caboclo, e até para o técnico da seleção brasileira, Tite. Mas A entidade se baseia do protocolo desenvolvido em conjunto com a Sociedade Brasileira de Infectologia, e que foi aprovado pelo Ministério da Saúde, com testagem constante de todos os envolvidos em uma partida de futebol, afastamento imediato dos infectados e distanciamento nos estádios, entre outros itens, para manter os jogos.

Na mesma noite de quartafeira, o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, disse ter imensa preocupação de encarar um novo surto de covid-19 no elenco. Em novembro, a equipe chegou a ter mais de 20 desfalques provocados pela doença e já houve casos de atletas que testaram positivo mais de uma vez.

O português contou ter ficado espantado ao ver que no Brasil não há lockdowns rigorosos como na Europa. "Eu sei que o futebol é um negócio, e precisamos todos trabalhar, precisamos de dinheiro para pagar nossas contas, mas temos que ter responsabilidade social nesse momento, ser mais responsáveis dentro daquilo que nos compete, que é ficar mais em casa e ver se conseguimos eliminar esse adversário, pois tanto aqui como na Europa está difícil", comentou Abel.

Discordância. O técnico do Grêmio, Renato Gaúcho, pensa diferente. Mesmo preocupado com a pandemia, ele defende manter o calendário como forma de trazer um alento ao torcedor. "Estamos fazendo um favor para o povo, porque, quando jogamos, é um motivo para o torcedor ficar em casa. Mas não pode parar tudo no Brasil, daqui a pouco a pessoa não sai de casa, mas está morrendo de fome", disse. O treinador mencionou que o futebol conta com uma segurança especial por causa da rotina de testes com os atletas e funcionários.

O presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, também defende a continuidade. "Entendo que o futebol é uma atividade que não traz risco para a saúde pública. É um ambiente altamente controlado, que aprendeu a conviver com a covid-19, e que é uma opção de entretenimento para a população'', defende.

Em São Paulo o futebol está mantido. O governo estadual autorizou a realização de partidas e até agora quem entra em campo tem se manifestado a favor. Rafael Marques, ex-Palmeiras, disse se senti seguro em atuar. "Creio que não tem perigo para nós, jogadores. Todos estão sujeitos a pegar, mas, dentro dos protocolos do futebol, não tem nada diferente do que está sendo feito lá fora", diz o atacante do Botafogo-SP.

A decisão do governo de manter a realização de partidas mesmo com o Estado na fase vermelha foi anunciada na quarta-feira. "Até o momento, a decisão é manter as atividades da mesma forma, como vem sendo seguido em Portugal, Inglaterra e outros países, por exemplo", disse o membro do Centro Contingência do Coronavírus em São Paulo, José Medina. No entanto, tanto o Campeonato Inglês como o Português já tiveram jogos adiados por causa de surtos em alguns times.

Bom Senso

'Nosso país parou. Não tem lugar nos hospitais, estou perdendo amigos. É hora de segurar a vida'

LISCA

TREINADOR DO AMÉRICA-MG