Título: Sem devastar o ambiente
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2005, Outras Opiniões, p. A11
A Amazônia tem sido objeto de declarações de todo tipo, feitas por autoridades estrangeiras e funcionários de organismos internacionais, madeireiros e empresários industriais, pecuaristas e plantadores de soja, ambientalistas e simples embusteiros. No entanto, ninguém se lembra de dizer que o ecossistema amazônico vale mais para o Brasil e para o mundo pela função que já exerce há milênios, de estabilizador das condições hídricas, pluviais e climáticas, do que se for explorada para atividades tais como o agronegócio, a extração de madeiras, a pecuária e a mineração. Por outras palavras, mesmo que se exportasse toda a madeira nobre e os minérios da Amazônia e se cobrisse a região com plantações de soja e pastagens, o lucro obtido não compensaria o dano causado pelos reflexos das alterações, naquele ecossistema, sobre o clima, o regime das chuvas e a vazão dos rios, na própria bacia amazônica e também nas bacias dos rios Tocantins e São Francisco, com impactos indiretos que se fariam sentir até mesmo nas bacias dos rios Paraná e Uruguai, provocando, numa etapa posterior, graves e irreversíveis prejuízos sobre a agricultura das regiões Centro-Oeste e Sudeste e ainda, evidentemente, sobre o sistema elétrico, pois, como todos sabem, quase toda a eletricidade consumida no Brasil é gerada em usinas hidroelétricas.
Naturalmente, não se pode falar em hidroeletricidade, sem mencionar uma das mais importantes riquezas naturais do Brasil, que é o potencial hidroelétrico da Bacia Amazônica. O aproveitamento desse potencial pode ser feito em perfeita harmonia com o meio ambiente.
Para isso, os projetistas devem otimizar a relação entre potência instalada e área inundada, o que é sempre possível, como está sendo feito com a hidroelétrica de Belo Monte, cujo projeto original provocaria a inundação de uma área de 1.200 quilômetros quadrados. Encontrou-se depois uma alternativa que reduziria essa área para algo em torno de 400 quilômetros quadrados, que ainda não foi considerada a ideal, pois, na época da seca, reduziria a vazão do trecho conhecido com Volta Grande do Xingu a valores que ameaçariam o equilíbrio ecológico da região. Estuda-se então uma nova alternativa, que, mediante um novo arranjo de casas de força e de tipo de turbinas, preservará, naquele sítio, uma vazão aceitável durante o ano inteiro, com pequeno sacrifício da potência instalada. No projeto do complexo hidroelétrico do Rio Madeira adota-se o mesmo princípio de otimização.
Os ambientalistas afinal compreenderão que, com bom planejamento, os inevitáveis impactos ambientais das futuras hidroelétricas são perfeitamente assimiláveis pelos ecossistemas amazônicos. Aliás, é previsível que os aproveitamentos hidroelétricos serão, forçosamente, os melhores aliados de quem defende a preservação do ambiente, pois se houver desmatamento, os assoreamentos, as cheias e as estiagens daí resultantes irão inviabilizar os próprios aproveitamentos hidroelétricos.
Com a completa interligação do sistema de transmissão, os grandes aproveitamentos hidroelétricos amazônicos terão uma importância fundamental no suprimento de energia para o país inteiro. Enquanto isso, para a própria região amazônica, deve-se estudar em curto prazo uma alternativa extremamente interessante, que são as mini-centrais hidrocinéticas, que não inundam praticamente nada e podem fornecer energia para pequenas municipalidades, sistemas isolados e empreendimentos voltados para o turismo ecológico (hotéis de selva etc.), para os quais os próprios empresários, por iniciativa individual ou em parceria público-privada com os municípios interessados, com eventual apoio financeiro oficial (linha de crédito do BNDES, por exemplo), teriam interesse em investir na geração de energia para consumo próprio. É interessante assinalar que isso agregaria poderosos aliados para os defensores do meio ambiente, na luta contra madeireiros furtivos e pecuaristas devastadores. De fato, o ''produto'' vendido pelos empresários do turismo ecológico é a integridade do ecossistema.