Correio Braziliense, n. 21188, 29/05/2021. Política, p. 4

 

Pazuello quer fazer defesa oral

Renato Souza

Augusto Fernandes

29/05/2021

 

 

PODER » Apesar de ter remetido por escrito sua defesa sobre a participação em evento político de Bolsonaro, no Rio, general ainda pede a oportunidade de se justificar para a cúpula do Exército. Alto Comando cobra a aplicação "exemplar" do código ao ex-ministro

Com a finalidade de reforçar sua defesa, o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deve se encontrar com o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, na próxima semana. Ele tentará fazer sua defesa oralmente, pois já apresentou manifestação por escrito alegando que não cometeu transgressão ao participar de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, no domingo passado. Nos próximos dias, se encerra o período regimental de oito dias úteis para que seja decidido de que forma Pazuello será punido.

De um lado, Paulo Sérgio recebe pressão de Jair Bolsonaro para se alinhar ao governo, e desistir da punição ao ex-ministro. A ameaça do presidente é de desfazer qualquer penalidade, o que estenderia ainda mais a crise entre o governo e a caserna. De outro, generais do Alto Comando pedem que ocorra aplicação exemplar do Código Disciplinar do Exército, que prevê repreensão, advertência ou até mesmo a prisão para quem violar a regra que afasta as Forças Armadas do meio político-partidário.
Na última quinta-feira, Bolsonaro participou de um evento em uma base militar de São Gabriel da Cachoeira (AM) e, na ocasião, se encontrou com o comandante do Exército. Durante o evento, o presidente, mais uma vez, incitou os militares a atuarem politicamente. "O que nós queremos? Queremos paz, queremos progresso e, acima de tudo, liberdade. E a gente sabe que esse último desejo passa por vocês. Mais do que a obrigação, têm o dever. Tenho certeza de cque vocês agirão dentro das quatro linhas da Constituição, se necessário for", afirmou.
Críticas

As declarações de Bolsonaro, com a presença do comandante da Arma, também geraram críticas no meio militar, que avalia que o presidente está tentando politizar as instituições de Estado, além de usar as tropas para fins eleitorais. Pazuello alegou, em sua defesa, que o presidente não está filiado a partido político e que o evento do qual participou, no Rio, não tinha essa finalidade — portanto, não teria violado as nomas disciplinares. A mesma tese foi defendida, na última quinta-feira, por Bolsonaro, o que mostraria que os dois lados estão alinhados.

De acordo com o Código do Exército, a punição se divide em advertência, impedimento, repreensão, detenção, prisão, licenciamento e a exclusão para bem da disciplina. A mais branda é a advertência, que pode ser uma repreensão oral, sem registro por escrito, de forma individual ao militar, sem exposição a outras pessoas. O impedimento se refere à impossibilidade de o transgressor deixar a organização militar temporariamente; já a repreensão, considerada média, ocorre por escrito, com "censura enérgica", publicada no boletim interno. As demais se referem à prisão e até exclusão das fileiras do Exército.

O ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed), Alcides da Costa, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirma que ficou claro que Pazuello cometeu transgressão disciplinar, mesmo com o argumento de que o presidente não está filiado a partido político. "O general Pazuello transgrediu o regulamento disciplinar do Exército. Era um ato político, como tem sido todas essas convocações do presidente Jair Bolsonaro para carreata, caminhoneiros, motocicletas. São atos com os quais ele pretende obter ou fortalecer a sua base de apoio político", destacou.

O professor destaca que se não houver punição, ficará um recado de anuência com transgressões por parte de outros integrantes do Exército. "É um desfeito ao regimento e enfraquece, sim, a disciplina interna, e abre um precedente, sim (para outros atos parecidos)", explicou.

Ele critica, ainda, os discursos do presidente com base em eventual atuação política dos militares. "As Forças Armadas são instituições de Estado e não têm que ter maculação política. A Constituição atribui a defesa da Pátria e a garantia da lei da ordem. A lei e a ordem dizem respeito à segurança pública, não de cenário político. É uma leitura equivocada do presidente e um processo de politização das Forças Armadas, o que é ruim para a instituição, para a política e para o país", salientou.