Correio Braziliense, n. 21180, 21/05/2021. Política, p. 3

 

Entrevista - Randolfe Rodrigues: os depoimentos atingem o presidente

Randolfe Rodrigues

Luiz Calcagno

21/05/2021

 

 

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, avaliou que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello se saiu bem, no primeiro dia de depoimento, na missão de blindar o presidente Jair Bolsonaro, mas que não conseguiu sustentar a defesa ontem, quando parlamentares foram mais incisivos.

Além disso, o senador enfatizou que a CPI segue no rumo determinado, mesmo que governistas tentem minar os trabalhos. “Os depoimentos do senhor Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello comprometem diretamente o presidente da República. Omissão no caso de Manaus, omissão para comprar vacinas e, mais grave, no caso de Manaus, a utilização dos manauaras, dos amazonenses como uma espécie de cobaia para adotar o tratamento com cloroquina”, frisou. Confira os principais trechos da entrevista.

O senhor avalia que Pazuello conseguiu blindar Bolsonaro?

Ele se esforçou bastante ontem (quarta-feira). Inclusive, obteve sucesso até certo ponto. Hoje (ontem), ficou impossível. Ele teve de declinar, em determinado momento, que a decisão de não intervir na Saúde do Amazonas foi do presidente da República. Ficou patente que a exposição de motivos assinada por Braga Netto (então ministro da Casa Civil), ministro da Saúde, chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), chefe da CGU (Controladoria-Geral da União) e ministro da Justiça para edição de uma medida provisória que assumia a responsabilidade civil e resolveria o imbróglio com a Pfizer não foi subscrita pelo presidente da República. A exposição de motivos foi assinada por essas autoridades em 29 de dezembro, e a MP, em 6 de janeiro. Qual é a diferença da exposição de motivos que constava o dispositivo que resolveria o imbróglio com a Pfizer para a MP? Na primeira, tinha as cinco assinaturas; na outra, tinha a de Jair Messias Bolsonaro. Nesses dois aspectos, por mais que Eduardo Pazuello tenha feito um contorcionismo gigantesco com os fatos, ele não obteve êxito.

Ele corre o risco de ser punido?

Ele veio com um habeas corpus. O habeas corpus, ele utilizou para proteger o presidente. Ainda sobre a vacina, ficou claro que ele subscreveu toda a responsabilidade civil para efeitos adversos com a vacina da AstraZeneca, mas não subscreveu para a Pfizer. A mesma circunstância em relação à CoronaVac. Eu terminei a CPI dando boa sorte para ele, porque metade daqueles que estavam aí para defendê-lo, a sentença deles não vai ser dada por mim, relator, presidente. Vai ser dada por um juiz. Ele estará só.

Há uma impressão de que ele teve liberdade não pelo habeas corpus, mas por ser militar, e isso teria intimidado parlamentares. Avalia dessa forma?

Não sei quem foi intimidado. Quem viu as minhas inquirições, a inquirição do senador Alessandro, do senador Otto (Alencar, do PSD-BA), da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) ao terminarem, não me parece que tenha se assemelhado. Eu não fui procurado por ninguém. E mesmo que tivesse sido, o mesmo trabalho de procurar seria negativo. O mesmo trabalho que eu viria a cumprir com o senhor Eduardo Pazuello eu cumpriria com qualquer outro. O senhor Eduardo Pazuello não estava aqui representando o Exército. Ele foi ministro da Saúde. Ele usou roupa civil. Foi nessa circunstância que ele veio. Incluo o senador Renan (Calheiros, do MDB-AL). Não vejo nenhuma possibilidade de intimidação nesses nomes que declinei.

A base do governo se apresentou como vencedora nessas últimas sessões e disse que a comissão está indo pelo caminho necessário, dos estados e municípios. O senhor concorda?

Conceito curioso de vencedores que têm os governistas. Os depoimentos do senhor Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello comprometem diretamente o presidente da República. Omissão no caso de Manaus, omissão para comprar vacinas e, mais grave, no caso de Manaus, a utilização dos manauaras, dos amazonenses como uma espécie de cobaia para adotar o tratamento com cloroquina. Cada um passa a versão do jogo como lhe convém. Eu acho, particularmente, que é um 8 x 0 para a linha que a CPI tem de seguir. A realidade dos depoimentos foi transmitida pela imprensa.

O ex-ministro entrou em contradição diversas vezes?

Ele mentiu. É mais grave do que entrar em contradição. Contradizer é você ter dito uma coisa antes e outra depois. Ele mentiu e omitiu. E quando foi inevitável na inquirição, acabou declinando a verdade. Uma das contradições ocorrem no caso da crise do oxigênio de Manaus, em que ele, primeiro, fala que soube disso no dia 10 de janeiro, e, depois, em 7 de janeiro. Os documentos falam no dia 7. Ele ontem (quarta) disse dia 10 e, hoje (ontem), ele mesmo admitiu dia 7, tendo documento da White Martins falando dia 7, em um processo público. Tem documento em resposta oficial do Ministério da Saúde à Câmara.

Ele pode ser reconvocado?

É uma possibilidade, mas vamos ver a oportunidade e a conveniência. E por mais que tenha esforços para tirar o rumo da CPI, ela não será retirada do seu foco. Isso porque, claramente, o que alguns querem, o que alguns pretendem é desviar o foco. É fazer manobras dispersivas.

Quais são as expectativas para o depoimento da médica Mayra Pinheiro, mais conhecida como Capitã Cloroquina?

Vai nos trazer mais esclarecimentos sobre Manaus, Amazonas, TrateCov, cobaia. Tem algumas hipóteses que trabalhamos. A da estratégia de imunidade de rebanho, as omissões para aquisição de vacinas e, a terceira hipótese, a utilização dos manauaras e amazonenses como cobaia.