Título: Igualdade política?
Autor: Lúcia Avelar
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2005, Brasília / Opinião, p. D2

No anedotário popular sueco, conta-se uma história digna de ser lembrada. Uma criança, em seus 8 anos de idade, pergunta: - Mãe, aqui na Suécia, os homens podem ser políticos? Observando o grande envolvimento das mulheres com a política, diante de uma representação política quase meio a meio, ali, como nos demais países nórdicos, a pergunta expressa uma realidade incomum. Diga-se de passagem, quão distante da realidade brasileira e outros tantos países! Após mais de cem anos da conquista do direito do voto, as mulheres brasileiras são minorias em qualquer nível da representação política formal, seja nos municípios, nos estados federados ou no centro da política nacional.

A idéia do direito político igual e extensivo a todas as camadas da população, deflagrada há pelo menos 200 anos em vários países do mundo ocidental, permanece uma utopia. Basta ver, no caso das mulheres, cuja luta pela conquista do direito político igual já dura mais de um século. No caso brasileiro, a dominação tradicional, sob a forma de patriarcalismo e escravismo, próprios da estrutura econômica e política do Brasil colonial, impediu a fruição dos direitos de cidadania às mulheres e aos negros. A esta época, o eixo da sociedade brasileira era a grande propriedade da terra, e todas formas da organização da vida a ela se curvavam.

Nem é preciso nos comparar com os países nórdicos. Basta olhar os dados de algumas nações latino-americanas. Na Argentina, 33,7% das 257 cadeiras da Câmara são preenchidas por mulheres, assim como 33,3% das 72 cadeiras do Senado. Na Câmara mexicana, com suas 500 cadeiras, as mulheres são quase 100, o correspondente a 22,6% do total. As mulheres contam ainda com 12,5% da Câmara do Chile e 4,2% do Senado. Já no Brasil as mulheres preenchem 8,1% da Câmara e 14,8% do Senado.

Na raiz de nossas instituições sociais e políticas, é esta a realidade fundadora, cujos traços ainda se perpetuam, após cinco séculos de nossa história. Não fosse assim, seria um pouco melhor do que 12,6% de mulheres vereadoras (6.556 para 45.252 homens), 7,5% de prefeitas (418 para 5.141 prefeitos), 2 governadoras (entre 27 unidades da federação), 42 deputadas federais para 471 deputados, 133 mulheres deputadas estaduais para 926 deputados.

A dominação tradicional e patriarcal também procura impedir mudanças nas atuais regras do jogo político, em nome de sua própria sobrevivência, como não poderia deixar de ser. Tomemos alguns aspectos da reforma política em pauta no cenário nacional. Mudanças nas regras da legislação proporcional, o que possibilitaria um outro peso relativo dos estados na Câmara dos Deputados, não ocorrerão, pois os parlamentares não votarão contra si mesmos, restringindo o tamanho da representação, nos casos dos estados menos populosos. O financiamento público de campanha que facilitaria a entrada de novos atores na cena política, provenientes dos segmentos menos privilegiados, sem poder econômico, será difícil de ser aprovado, pois se acontecesse, seria um complicador na vida dos atuais representantes. A lista partidária fechada para os pleitos eleitorais, que abriria a possibilidade de que os grupos menos representados reivindicassem melhores chances na posição da lista, como ação afirmativa e de reconhecimento dos erros do passado, para redimi-los, como no caso da exclusão secular dos negros e mulheres na vida política, dificilmente será aprovada.

Não há como nos iludir. As mulheres terão de formar lideranças, ter força corporativa, procurar financiamentos para suas campanhas em forma coletiva, difundindo nos meios de comunicação de massa como as mulheres fazem diferença na política, qual a singularidade de sua atuação, que focaliza a vida prática, a necessidade cotidiana de cada cidadão. As mulheres terão ainda de apontar os preconceitos e julgamentos excessivos a elas impostos quando entram na vida pública, na maioria das vezes infundados, como nos apontava Jandira Feghali que em sua campanha para a prefeitura do Rio de Janeiro em que um de seus concorrentes falava insistentemente da sua farta cabeleira, que é desalinhadamente moderna.

Ou como advogava a Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Política para Mulheres, da Presidência da Republica: nada de guetos. Chegou a hora de mostrar que sabemos discutir economia, tratados de livre comércio, projetos de infra-estrutura, as relações internacionais e outros temas, pois hoje estamos tão preparadas quanto os homens, para tarefas das simples às mais complexas.

Se em outros lugares do mundo tais conquistas ocorreram após anos de organização, de conflitos, de marchas e contra-marchas, entre nós não poderia ser diferente. Portanto, mulheres e homens portadores de valores igualitários, continuem por essa luta que é, sem sombra de dúvida, uma luta pela democratização do País.