O Estado de São Paulo, n. 46529, 09/03/2021. Política, p.A10

 

 

Decisão é precedente para mais anulações, avaliam juristas

 

 

 


Para o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, é preciso aguardar como devem se comportar os outros ministros

 

Adriana Ferraz

 

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular todas as condenações do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato por considerar a 13.ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos que envolvem o petista, pode abrir precedente para que outros investigados ou mesmo réus da operação façam o mesmo questionamento e também consigam anular decisões ou postergá-las. O entendimento é de especialistas em Direito Penal ouvidos pelo Estadão.

A decisão de Fachin, que é relator da Operação Lava Jato no Supremo, não levou em consideração as provas colhidas por investigadores da força-tarefa em Curitiba contra o ex-presidente, que resultaram em condenações pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro se limitou a analisar questões técnicas e processuais, ao concluir que a Justiça Federal em Curitiba não tem competência para cuidar das ações contra o petista.

Na avaliação do professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, para que esses novos questionamentos ocorram é preciso aguardar outras decisões. Uma delas, segundo Falcão, diz respeito à posição da Procuradoria-geral da República (PGR). O procurador-geral da República, Augusto Aras, informou que vai recorrer. Com isso, o plenário do STF será convocado a referendar ou não a decisão de Fachin.

Ainda de acordo com Falcão, "Fachin defendeu um pênalti que alas do Supremo estavam prestes a chutar contra o ex-juiz Sérgio Moro" – a defesa de Lula acusa o ex-juiz de parcialidade na análise dos casos envolvendo o ex-presidente e a condenação no processo do triplex no Guarujá (SP). "A decisão dele é neutra em relação a Moro. A incompetência, portanto, é da 13.ª Vara Federal, não dele."

 

Competência. Para o advogado criminalista Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Fundação Getulio Vargas (FGVSP), Fachin seguiu o entendimento que o Supremo tem adotado desde 2015, no qual considera-se que a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba se dá apenas a fatos diretamente relacionados à Petrobrás.

"O que não é o caso do expresidente Lula. Assim, honrando seu papel de ministro, Fachin rendeu-se ao entendimento da Corte, ainda que discordando", declarou Tangerino. Segundo ele, tal decisão pode, agora, ser usada por todos aqueles que foram processados em Curitiba por fatos não diretamente relacionados à Petrobrás. "Eles poderão pedir carona nessa decisão", afirmou o professor.

 

Petrobrás. De acordo com a advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Helena Lobo da Costa, somente acusados e réus de investigações que tenham essa mesma característica observada nos processos de Lula – não ter ligação direta com contratos da Petrobrás – poderão utilizar a decisão de Fachin como precedente. "Mas ela não é vinculante, ou seja, cada um que se encaixar na tese terá de recorrer e tentar fazer valer no seu processo", disse a professora.

Diretor da Faculdade de Direito da USP, o professor Floriano de Azevedo Marques considerou a decisão de Fachin "drástica" e importante, apesar de ocorrer a "destempo". O professor destacou que, além de criar precedentes, ela poderá levar a prescrições em função dos processos revistos.

"Provavelmente, várias condutas estarão prescritas. Porque o recebimento da denúncia interrompe o lapso prescricional e, se o ato de recebimento foi anulado, não houve interrupção", afirmou Azevedo Marques.

 

'Carona'

"Ela (decisão de Fachin) não é vinculante, ou seja, cada um que se encaixar na tese terá de recorrer e tentar fazer valer no seu processo."

Helena Lobo da Costa

ADVOGADA E PROFESSORA DA USP

 

"Eles (outros réus) poderão pedir carona nessa decisão."

Davi Tangerino

ADVOGADO CRIMINALISTA

 

"Provavelmente, várias condutas estarão prescritas. Porque o recebimento da denúncia interrompe o lapso prescricional e, se o ato de recebimento foi anulado, não houve interrupção."

Floriano de Azevedo Marques

PROFESSOR E DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP