Título: ''Queremos ser protagonistas dos momentos bons''
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, País, p. A2

Paulo Rocha (PT-PA), 54 anos, tem na sua vida o DNA da luta. Nascido pobre, no interior do Pará, primogênito de 17 irmãos, lutou para crescer e ajudar a sustentar a família. Natural de um Estado que até hoje produz vítimas, viu muitos companheiros de batalhas, sangrarem sobre o solo paraense, Paulo Rocha foi preparado na fervura da água sindical, trabalhando em gráficas e aproveitando o trabalho para rodar jornais clandestinos, da esquerda política paraense e do movimento estudantil. Eleito líder da bancada do PT na Câmara, vai ter que usar todo seu gingado de bom pé-de-valsa para comandar 91 parlamentares, com suas tendências, opiniões, dilemas e rixas. Um partido que se flagela o tempo todo em contendas internas e que foi surpreendido em fevereiro pelo Tsunami Severino. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Paulo Rocha aposta na força da bancada para virar o jogo e tornar-se, efetivamente, protagonista das decisões de governo nestes dois últimos anos de governo Lula. Para isso, é preciso lutar e abrir mão de muita coisa: ¿ Nossa geração é vitoriosa, mas é sacrificada. Conquistamos a liberdade e a democracia, mas tivemos de abrir mão de nossas individualidades.

¿ O PT vive um momento complicado. Ao mesmo tempo que busca uma repactuação com o governo, precisa abrir espaço para aliados. Como combinar essa equação?

¿ O sentimento da bancada é participar mais, ser ouvida nas iniciativas de governo. Queremos nos sentir protagonistas dos momentos positivos que acontecerão em 2005. Passamos por momentos difíceis de governo. Embora com algumas divergências, bancamos posições importantes. Agora, queremos ser protagonistas dos momentos bons.

¿ Isso não pode gerar conflito com partidos da base, já que o Planalto fala em coalizão?

¿ Os partidos da base devem ter maior participação. O nosso desafio é ter a capacidade de, através de uma articulação política afinada, fazer com que não só o PT, mas também os demais partidos, possam estar usufruindo e participando destes momentos positivos.

¿ O PMDB vai apresentar, no Senado, uma proposta de autonomia do Banco Central. A medida divide a bancada do PT. Como se comportará?

¿ A bancada do PT já foi clara quanto a este assunto. Vamos dizer ao governo que temas que possam trazer dificuldades, posições divergentes, ou que nos polarizem e coloquem em xeque a unidade de atuação, são inoportunos. Questões como a reforma trabalhista e a autonomia do BC são inoportunas. As principais reformas já foram feitas para dar condições de a economia tomar outro rumo.

¿ Havia resistência de uma parte dos deputados ao seu nome, pela proximidade com o governo. A bancada está construindo a unidade que não teve nestes dois anos?

¿ A bancada sempre foi madura. Mas, duplicou seu tamanho e, com isso, trouxe alguns problemas. Além disso, teve a mudança radical no nosso comportamento parlamentar. Agimos sempre como oposição e passamos a ser governo. Fomos colocados na parede em iniciativas governamentais que se opunham a posições históricas de nossa militância. Isso foi um choque.

¿ O que fazer agora?

¿ Devemos descobrir como exercer uma ação de bancada que tem forte ligação com os movimentos sociais, mas também é de governo. Essa foi a dificuldade nestes dois anos. É este equilíbrio que temos que buscar todo tempo. A liderança deve buscar saber o que pensa a média da bancada.

¿ Há dois anos, Heloísa Helena dizia que o partido não podia ser mera correia de transmissão dos interesses do Planalto. Essa consciência crítica atual admite que a senadora estava correta?

¿ Não é essa a questão. Naquele momento o partido foi chamado a assegurar a governabilidade e a consolidação do governo. O partido tinha de cumprir esse papel, era o partido do presidente, e tinha a maior bancada na Câmara. Tinha um programa de governo, as perspectivas de mudança. Pelos nossos próprios princípios, o sindicato não pode ser correia de transmissão do partido. Assim como o partido não pode ser correia de transmissão do governo. Trabalhar o papel do movimento social, do governo, do partido, é um exercício constante.

¿ A avaliação de que, agora, há espaço para que a bancada tenha autonomia é porque, daqui a dois anos, haverá eleições para deputado?

¿ Naquele momento, as iniciativas de governo eram para fazer valer as mudanças, as reformas consolidavam o programa de governo. Aquelas iniciativas começam, agora, a ter conseqüências positivas na política e na economia. Agora, o momento é de colher, embora ainda faltem ajustes, como o marco regulatório de alguns setores e a reforma política.

¿ Como fica a cobrança de abrir espaço na Esplanada para abrigar os aliados?

¿ Esta é uma estratégia política de consolidação da base do governo, de sustentação no Parlamento. Há também uma consolidação da própria base, para estarmos juntos nas próximas disputas políticas. O PT está deixando claro ao presidente que fique à vontade nas mudanças que precisam ser feitas para consolidar esta base e fazer alguns ajustes de eficiência que, com certeza, o governo precisa. Pois, o partido reivindica seus espaços políticos de visibilidade, participação nos principais cargos e pontos estratégicos do governo. No entanto, tem a compreensão estratégica de que é preciso assegurar espaços políticos para os nossos aliados.

¿ A suspensão do deputado Virgílio Guimarães das atividades partidárias não é mais um foco de turbulência?

¿ Não está em discussão a concepção da candidatura avulsa. O problema é que ele aceitou as regras do jogo da escolha da candidatura do PT e depois se indisciplinou, não aceitando o resultado. No processo da campanha para a presidência da Câmara, colocou em xeque a política partidária, de governo, se juntou a adversários históricos do partido e do governo.

¿ O senhor também acha que este foi o pior momento?

¿ Já tivemos muita dificuldade na vida. No meu estado, tivemos grandes embates contra o latifúndio, assassinatos de vários companheiros. No vitória do Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara, foi um revés político grande, mas o partido tem força política e a bancada tem capacidade de reação. Temos a humildade de compreender o momento que estamos vivendo fora da Mesa. Mas temos força política para poder, no espaço democrático que conquistamos, fazer valer a nossa vontade.