O Estado de São Paulo, n. 46531, 11/03/2021. Política, p.A8

 

 

 

Bolsonaro aparece de máscara e passa a defender vacinas

 

 


Nova postura ocorreu durante evento no Planalto sobre aquisição de imunizantes; senador Flávio Bolsonaro também muda o tom

 

Mateus Vargas

Daniel Weterman / BRASÍLIA

 

 

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
Mudança. Bolsonaro usa máscara em evento no Planalto sobre a aquisição de vacinas; presidente vinha dispensando o uso do equipamento de proteção

 

Pressionado pelo avanço da covid-19 no País e por críticas sobre a omissão do governo federal na distribuição de vacinas, o presidente Jair Bolsonaro mudou sua conduta e usou máscara durante evento no Palácio do Planalto, ontem, no qual sancionou projetos para facilitar a compra de imunizantes. Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, o chefe do Executivo tem minimizado a doença, desestimulado o uso do equipamento de proteção e o distanciamento social e rejeitado propostas de aquisição de vacinas.

Pouco antes, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanosrj), filho mais velho do presidente, também mudou o tom e pediu aos seus seguidores para disseminar nas redes sociais uma foto de seu pai com a frase: "Nossa arma é a vacina". "Vacina para gerar empregos! Nos próximos dois meses vacinaremos dezenas de milhões de brasileiros!", escreveu Flávio em sua conta no Twitter.

No fim do ano passado, porém, o próprio presidente disse que a pressa pela chegada dos imunizantes "não se justifica" e que as farmacêuticas é que deveriam estar interessadas em negociar com o governo. "Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar", disse Bolsonaro em 28 de dezembro.

A nova postura do presidente ocorreu horas após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacar a condução do governo federal no enfrentamento da pandemia e defender a vacinação. O petista discursou em São Bernardo do Campo, na primeira manifestação depois que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou suas condenações na Operação Lava Jato, o que o torna apto a se candidatar novamente.

No discurso no Planalto, Bolsonaro adotou um inédito tom moderado, não fez ataques a governadores e prefeitos e citou de passagem medicamentos sem eficácia contra a covid-19, como a hidroxicloroquina, aposta do governo durante a crise. O presidente disse que o País terá mais de 400 milhões de vacinas até o fim do ano.

Pouco depois, em entrevista a jornalistas no Palácio da Alvorada, lamentou as mortes pela covid-19 e, após decretar por diversas ocasiões que a pandemia estava chegando ao fim, admitiu que a situação no País é grave. "Lamentavelmente, é uma situação bastante grave, onde tem aumentado o número de mortes no Brasil. Agora, digo que o que for possível fazer nós faremos e as vidas têm que ser preservadas em primeiro lugar", afirmou Bolsonaro, que no ano passado chegou a responder com um "e daí?" e "não sou coveiro" quando questionado sobre as vítimas da doença.

O Brasil registrou 2.349 mortes pela covid-19 conforme dos dados das últimas 24 horas divulgados ontem pelo consórcio de veículos de comunicação. A marca é recorde na pandemia. O total de óbitos no País chegou a 270.917.

"Eu acredito mais em um plano de alguns para me derrubar pela economia. Não está preocupado com o próximo, não. Longe disso", disse Bolsonaro.

 

Fator Lula. Aliados do presidente admitem, em caráter reservado, que a mudança de comportamento foi uma reação direta a Lula. A avaliação é de que, apto a concorrer em 2022, o expresidente assume a liderança de uma oposição até agora enfraquecida e que não conseguia um nome para se contrapor como antagonista a Bolsonaro.

Coube a o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), chamar a militância a reagir. "Você retardado mental que fica falando que o problema são os filhos, cadê o Queiroz? Pagou o apartamento 50 mil reais em dinheiro. Seu animal, larga de ser um peão nesse tabuleiro de xadrez chamado política e começa a pensar um pouquinho, ver o perigo que está por vir e ver como o sistema trabalha porque não dá ponto sem nó, não. Fiquem com Deus e não consumam cachaça em excesso igual a uns e outros aí", afirmou.

Num tom que destoou do governo, Eduardo criticou medidas como o lockdown. "Não funciona em lugar nenhum no mundo. Falamos isso e dizem que a gente é negacionista", afirmou. "Ah, a máscara. Está sem máscara, está com máscara. Enfia no rabo, gente! Porra! A gente está lá trabalhando, ralando...".

 

Vacinas. A cerimônia no Planalto marcou a sanção de três leis que tratam da pandemia. Entre elas a que autoriza a União ser responsabilizada por eventuais efeitos adversos das vacinas, medida que destrava a compra dos produtos da Pfizer e Janssen. A iniciativa privada também pode adquirir doses, mas deve doar 100% ao SUS enquanto os grupos prioritários estiverem sendo vacinados. Bolsonaro sancionou ainda projeto que permite a compra de vacinas antes de aval da Anvisa, o que por diversas vezes foi citado como obstáculo para negociações.

O discurso pró-vacina contrasta com declarações anteriores do presidente. Ele já afirmou que não compraria doses da Coronavac, da China, por causa da "origem". O imunizante da Pfizer, citado ontem como solução, já foi alvo de desdém. "No contrato da Pfizer está claro: 'Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema de você", disse Bolsonaro, em dezembro.  / COLABOROU FELIPE FRAZÃO