O Estado de São Paulo, n. 46532, 12/03/2021. Política, p.A10

 

 

Investigações sobre ' rachadinha' travam em oito estados

 

 

Nas Assembleias, ao menos 43 deputados e ex-deputados são alvo de apurações pela prática; em nenhum caso há sentença definitiva

 

Marcelo Godoy

 

Em pelo menos oito Assembleias Legislativas do País, 43 deputados e ex-deputados são investigados por suspeita de fazerem parte de esquemas de “rachadinhas” – apropriação de parte dos salários de funcionários – em seus gabinetes. Ao todo, as fraudes teriam causado prejuízo de R$ 474 milhões aos cofres públicos. As suspeitas envolvem os parlamentos de Acre, Alagoas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio, Rondônia e São Paulo. Algumas dessas investigações se arrastam há uma década sem que nenhum deputado tenha sido punido.

Ao todo, há nove casos em andamento, sem uma única sentença com trânsito em julgado. Outros dois foram arquivados por falta de provas envolvendo dois deputados do PSL paulista e dois do PT e do PSB do Rio.

O Estado com mais políticos investigados é o Rio, com 19. Logo atrás vem Alagoas, com 12 – casos em que os acusados, entre eles o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), foram absolvidos, mas tramita recurso do MP. Ao todo o esquema teria desviado R$ 254 milhões. Lira se livrou do processo quando a Justiça considerou ilegais as provas obtidas pelo Ministério Público, a exemplo da decisão do Superior Tribunal de Justiça no caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando ele era deputado estadual na Assembleia do Rio (Alerj).

Segundo o promotor de Justiça Paulo Destro, um dos principais obstáculos para a investigação das rachadinhas é o pacto de silêncio entre quem paga – o político – e quem é contratado. Isso porque o funcionário “fantasma” sempre tem alguma vantagem, ainda que repasse a maior parte do salário ao político. Destro trabalha na Promotoria de Defesa do Patrimônio de São Paulo e instaurou inquérito há um mês contra a deputada estadual Letícia Aguiar (PSL).

A parlamentar diz ser alvo de perseguição política do PSDB.

Na maioria das vezes, disse o promotor, os funcionários nem aparecem nos gabinetes. “Temos fotos que mostram, segundo o denunciante, funcionários que deveriam estar no gabinete, fazendo campanha para aliados políticos em São José dos Campos.” Em São Paulo, a maioria das suspeitas de rachadinhas foi apurada como improbidade administrativa. Um dos casos investiga suspeita envolvendo o deputado Edmir Chedid (DEM) – que afirmou, via assessoria, não ser alvo do inquérito.

 

Crimes. Na esfera penal, segundo o criminalista Francisco Monteiro Rocha Júnior, há nos casos duas formas de punição. “Uma é o peculato, a apropriação indébita de valores e bens. A depender da situação, pode-se enquadrar como concussão, mas aí é preciso comprovar a exigência dos repasses”, afirmou o advogado, que é professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Foi a acusação de peculato que o MP resolveu apresentar contra o ex-governador do Rio Grande do Norte Robinson Faria (PSD). O crime teria acontecido quando ele era presidente da Assembleia local, entre 2008 e 2010. Os desvios nesse período somam R$ 3,7 milhões, obtidos, conforme a investigação, com a inclusão de funcionários fantasmas na folha de pagamento. Eles repassavam a maior parte dos salários para Robinson, que é pai do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Em outro caso, ele e o deputado Ricardo Motta são acusados de desviar R$ 1,1 milhão. As defesas dos dois não se manifestaram.

Além desses casos, o Supremo analisa mais dois. O primeiro envolve o ex-deputado Lúcio Vieira Lima e o ex-ministro Geddel Vieira Lima; o segundo, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM). Ao Estadão, Câmara negou as acusações. “Não existe uma só testemunha contra mim. Confio que serei absolvido.”

A reportagem procurou o advogado dos irmãos Vieira, Gamil Föppel, mas ele não se manifestou. Lira foi absolvido, mas o MPF recorreu da decisão. Tanto ele quanto Flávio alegam inocência. / COLABORARAM ALISSON DE CASTRO, ANGELO SFAIR e RICARDO ARAÚJO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

 

PONTOS-CHAVE

Estratégia foi buscar foro e anular provas

• 3 de novembro de 2020

Após mais de dois anos de apuração do Ministério Público do Rio, Flávio Bolsonaro foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

 

• 23 de janeiro

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar proibindo a Justiça do Rio de julgar se o exdeputado tem foro privilegiado.

 

• 23 de fevereiro

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a quebra de sigilo bancário de Flávio Bolsonaro, prova fundamental da investigação da "rachadinha".