O Estado de São Paulo, n. 46533, 13/03/2021. Metrópole, p.A21

 

STF tem maioria contra 'legítima defesa da honra'

 

 


Voto do relator, Dias Toffoli, é seguido por outros cinco ministros e derruba norma que tem prevalecido no País e estimula o feminicídio

 

Rayssa Motta

Pepita Ortega

Paulo Roberto Netto

 

Com seis votos já conhecidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para abolir a tese jurídica da chamada "legítima defesa da honra". O julgamento ocorre no plenário virtual, que permite aos ministros analisar as ações e incluir os votos no sistema digital sem reunião física nem videoconferência. O prazo para informar os votos terminou ontem.

Na quinta-feira já se sabia do voto do relator, ministro Dias Toffoli, que considerou a tese inconstitucional. Ele foi seguido pelos colegas Rosa Weber, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Assim como Toffoli, os três últimos também incluíram voto escrito no plenário virtual.

No seu voto, Dias Toffoli observou que o argumento não pode ser visto como uma leitura da "legítima defesa", prevista na legislação, ou usado para justificar crimes de feminicídio. A ação a respeito foi apresentada em janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A sigla argumenta que a tese da "legítima defesa da honra", embora não prevista em lei, continua sendo usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular. O PDT alegou que trechos dos Códigos Penais abrem brecha para a interpretação e pediu que o tribunal declarasse sua inconstitucionalidade.

 

Feminicídio. Pela tese, uma pessoa pode matar a outra para "proteger sua honra". Levantamento feito pelo partido revela que tribunais do júri têm recorrido ao argumento para absolver acusados de feminicídio desde 1991. Em alguns casos, tribunais superiores anulam a sentença, mas em outros mantêm as absolvições com base na soberania do júri popular.

"Concluo que o recurso à tese da 'legítima defesa da honra' é prática que não se sustenta à luz da Constituição de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatório e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri", decidiu Toffoli.

Em sua manifestação, Gilmar Mendes classificou a interpretação como "abusiva" e "pautada por ranços machistas e patriarcais". "Sem dúvidas, vivemos em uma sociedade marcada por relações patriarcalistas, que tenta justificar com os argumentos mais absurdos e inadmissíveis as agressões e as mortes de mulheres", criticou Gilmar.

Na mesma linha, o ministro Edson Fachin classificou a tese como "odiosa". Ele proferiu o terceiro voto para tornar o argumento inconstitucional. O ministro Alexandre de Moraes disse que a tese "remonta ao Brasil colonial" e funciona como "salvo-conduto" para a prática de crimes violentos contra mulheres. Segundo ele, persiste ainda "um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher na sociedade e naturalizar preconceitos de gênero existentes até os dias atuais".

 

Sem defesa

"Prática não se sustenta à luz da Constituição, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida."

VOTO DE DIAS TOFFOLI