Título: Marta Suplicy ''Cesar Maia fez a mesma coisa''
Autor: Sérgio Prado e Wallace Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2005, País, p. A3
SÃO PAULO - Marta Suplicy perdeu a prefeitura paulistana, está envolvida na denúncia de que teria ferido a Lei de Responsabilidade Fiscal sem a autorização do Ministério da Fazenda, mas não perde a elegância. Mais magra, sorridente, ela recebeu a reportagem do Jornal do Brasil em seu escritório político, no décimo segundo andar de um imponente prédio no bairro do Paraíso, a uma quadra da Avenida Paulista, coração da maior cidade do país. Livre da tensão da última campanha, mais alegre e com natural disposição para a luta, Marta se defende das acusações e se empenha para ser a próxima governadora de São Paulo. Primeiro, terá de vencer a disputa interna no PT, que tem o senador Aloizio Mercadante ¿ o preferido do Planalto ¿ e o deputado João Paulo Cunha como concorrentes. Depois, terá de convencer a maioria dos 30 milhões de eleitores de que tem as melhores propostas. ¿ Está todo mundo cansado do PSDB no Palácio dos Bandeirantes ¿ alfineta, referindo-se aos últimos três mandatos, de Covas e Alckmin.
Para ela, as pessoas não acreditam que os problemas de segurança e transportes serão resolvidos pelo atual governo.
¿ Fui muito bem recebida. As pessoas sabem que minha administração teve quase 50% de aprovação aqui em São Paulo ¿ afirma Marta.
Outra frente de sua batalha é a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, para permanecer no Palácio do Planalto.
¿ Acho que a reeleição está bem encaminhada.
- Deu tempo para descansar e fazer uma análise do que aconteceu?
- Deu. Saí um tempo, tive dois convites internacionais para participar de eventos na Índia e na Bélgica. Tive uma participação interessante em reunião com o grupo de Helsinque (Finlândia). Esse país propôs, junto com a Tanzânia, alternativas para contornar a pobreza no mundo, além de soluções que pudessem encaminhar um discurso de coesão entre Davos e Porto Alegre. Serei a representante da América Latina nessa proposta. No meio do ano, terá outra reunião em Nova York, e em seguida na Finlândia, onde será apresentado o projeto, que se chamará processo de Helsinque.
- A senhora acompanhava as notícias sobre política?
- Não entrava na internet todos os dias, porque queria exatamente ter uma visão mais distanciada. Mas sabia um pouco o que acontecia no País, às vezes o meu marido (Luís Favre) passava as notícias. Mas não acompanhei o dia-a-dia, porque queria recarregar as baterias.
- E a notícia de que deixou as finanças da prefeitura em desordem?
- Quando cheguei aqui, já encontrei meus ex-secretários indignados, com uma interpelação extrajudicial pelo prefeito Serra, alegando que eu havia publicado um balanço com números manipulados. Fiquei estarrecida. Uma coisa é fazer política, outra é publicar um balanço com números que não correspondem ao que está no sistema orçamentário da Prefeitura.
- A quem atribui esta manobra?
- Acho que há toda uma estratégia do PSDB, porque eu perdi a eleição (municipal do ano passado) com cerca de 49% de ótimo/bom de avaliação.
- A cidade está com saudade da senhora?
- Acho que não compete a mim dizer isso. Mas a estratégia dele (Serra) é: Marta criou um caos financeiro, estou limitado no que posso fazer. A proposta dele é fazer caixa para daqui a uns meses implementar os projetos que lhes são conveniente. Eu recebi a prefeitura em condições extremamente adversas. Para mim, tinha um caos financeiro herdado da administração (Celso) Pitta. O Pitta não tinha a parcela mensal de R$ 100 milhões prevista no orçamento para pagar a dívida municipal. Então, na primeira semana, o (João) Sayad (então secretário de finanças do município) chegou pra mim e disse : olha prefeita, nós temos por volta de R$ 1 bilhão em dívidas - hoje deve estar por volta de R$ 1,8 bilhão. E os credores estão aí. E eu não fiz o circo que o Serra fez em São Paulo.
- A alegação de Serra é que a senhora não deixou o caixa em dia para cumprir as obrigações financeiras.
- É uma alegação falsa. Tudo que foi empenhado, eu paguei. Agora, que eu cancelei empenhos, isso é verdade. O presidente Fernando Henrique também teve que fazer o mesmo no final da primeira gestão de Geraldo Alckmin. Faz parte de uma gestão cancelar empenhos que não teve condição de averiguar.
- Isso não dificultou ainda mais a vida do prefeito?
- Nada. Até a véspera da eleição, eu achava que iria ganhar. Você acha que iria deixar um caos financeiro para mim própria? A prefeitura de São Paulo, na nossa previsão, arrecadaria em janeiro/fevereiro cerca de R$ 3 bilhões. Quinta-feira (10) da semana passada, havia cerca de R$ 1,8 bilhão em caixa. Tanto tinha que o secretário de finanças atual (Mauro Rosenszenfeld), quando foi perguntado, não negou. Ele falou que aquele dinheiro já estava sendo separado para o 13º. Nunca vi em março você guardar R$ 1,8 bilhão e não pagar nenhum projeto que está em curso. Não estou falando em pagar credor, estou falando em parar obras, está tudo parado.
- Falou-se muito no Congresso que a senhora descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
- Estou muito tranqüila, porque, segundo o parecer jurídico da prefeitura, não descumprimos a LRF. Quando você faz esse aditivo, não acrescenta endividamento ou ônus para o erário. Ao contrário, economiza para o município da cidade cerca de 35% da iluminação pública. O Tesouro também detectou que havia mais de duas dezenas de cidades que haviam feito exatamente a mesma coisa. Tanto que o prefeito do Rio, Cesar Maia, fez a mesma coisa. A MP foi criada porque várias prefeituras tinham feito essa modificação. E para não ficar essa dubiedade. Eu não pedi a criação de uma MP e acho que cumpri a lei.
- Se o Senado lhe chamar, a senhora está disposta a esclarecer a questão?
- Acho que a matéria está bem esclarecia, mas politicagem é outra coisa. O senado é um fórum onde o governo não tem maioria.
- Não seria ideal dizer o que a senhora pensar na Casa?
- A matéria já foi muito esclarecida e não vejo necessidade disso. Não tenho nada contra a dar essa explicação. Mas vejo que isso é uma manobra política da oposição.
- Por que a senhora quer ser governadora?
- O meu partido tem bons candidatos. O Aloizio Mercadante é excepcional, o João Paulo também, e eu sou a ex-prefeita da maior cidade do Brasil, fiz um governo excepcional, e tenho muito orgulho do que fizemos aqui. Acredito que o que fizemos na cidade são paradigmas não somente no plano nacional, mas internacional. O próprio Koffi Annan (secretário-geral das Nações Unidas) falou que viu aqui o maior programa de inclusão social do mundo. E nós temos alternativas para o governo do PSDB.
- Já conversou com o presidente Lula sobre sua pré-candidatura?
- Antes de viajar para Índia, conversei com ele. Depois da viagem, não.
- Quando o partido vai escolher o candidato?
- Minha postura é de que não devemos colocar os carros na frente dos bois, temos tempo. Devemos aproveitar esses três quadros, que são fortes no partido, para avançar no Estado e, depois, fazer uma avaliação.
- Qual será a estratégia? Na campanha do ano passado, a senhora concorreu com uma chapa pura do PT.
- Não. Saímos com o vice que é do meu partido, mas recebi o apoio, desde quando era prefeita, do PCdoB, do PL e do PMDB. Com este último, tive uma convivência muito difícil, porque os vereadores me apoiaram, mas a cúpula nacional e estadual não. E por isso não pudemos fazer a chapa conjunta com o PMDB.
- A senhora acha possível compor com o PMDB para a disputa estadual?
- De novo, é colocar a carroça na frente do boi. Por outro lado, não vejo nenhum problema em compor com esse partido. Não tenho nenhuma posição pessoal contra o PMDB, muito pelo contrário.
- Como a senhora avalia a derrota do governo Alckmin na Assembléia legislativa de São Paulo?
- De maneira natural. Porque a democracia na Assembléia não existia. Os deputados estavam sentindo que não estavam sendo bem atendidos. A Assembléia, até ontem, não existia. Era um ''sim senhor'', uma tratoragem por parte do governador. E houve uma rebelião por parte dos próprios parceiros do governador, não foi por parte do PT.
- O que se comenta é que houve um acordo de bastidores do PT com membros do PFL.
- Não foi de bastidores, foi absolutamente transparente, porque o PT é oposição, e quando os parceiros do governador procuraram os deputados do PT, eles fizeram acordo.
- Qual é a fragilidade no governo do PSDB?
- Eu vejo que tem uma canseira em relação aos doze anos do governo do PSDB. São muitos factóides, propõem ações muito difíceis de serem concretizados .
- A senhora pode apontar algumas delas?
- A Febem é o maior fracasso, ou melhor, o carimbo do fracasso do PSDB. O caso passou por quatro secretarias, não por secretários, e até hoje não conseguiram dar a resposta. Outra questão é a do transporte. O Rodoanel evoluiu pouco e agora está sendo todo recapiado, porque está cheio de buracos. Esse são os fracassos retumbantes deste governo, que não tem nenhuma marca.
- A questão da Febem é delicada. A senhora tem alguma idéia?
- A prevenção dá resultado. Por exemplo, com o trabalho que fizemos com o renda mínima, houve diminuição de 18% nos crimes e de 44% de evasão escolar. Mas quando você já tem a delinqüência estabelecida, não tem em lugar nenhum do mundo um estudo que se recomende a criação de grandes instituições para recuperação. O jovem delinquente só é recuperável em pequenas instituições, divididas por idade e por severidade de crime.
v- A senhora possui uma forte aceitação aqui na cidade de São Paulo e, ao mesmo tempo, uma forte rejeição. Como reverter esse cenário?
- Acho que tive um trabalho de mídia contrária raramente encontrado, de bater e desqualificar alguém, tanto na minha vida pessoal, quanto no que a gente fez pela cidade. Um trabalho muito pesado, muito machista.
- A senhora acha que as suas viagens pelo Estado podem ser um caminho para mudar essa visão?
- Não sei, tenho uma forma de ser que também pode evitar algumas pessoas. Nem todos gostam da gente. O que percebo é que, na politica, as coisas mudam, pessoas que eram antipáticas viram simpáticas. O Serra é um exemplo.
- Caso a senhora não venha a ser escolhida pelo seu partido, pode concorrer a um cargo no legislativo?
- Não tem nenhum motivo para eu responder isso. Minha intenção é eleger o presidente Lula. Vou fazer a campanha do presidente aqui e nos estados e vou me dedicar de corpo e alma. Estou à disposição do meu partido.
- Como a senhora avalia o governo?
- Está sendo bem encaminhado, o Lula tem muita receptividade no mundo. E isso é glorioso. Há encantamento, uma esperança muito grande.