Título: Atendimento sem fila por R$ 10
Autor: Mariana Filgueiras e Ana Paula Verly
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2005, Rio, p. A13

Pacientes denunciam corrupção na emergência do Souza Aguiar, onde funcionários estariam cobrando para burlar a espera

Desesperada para que o filho fosse atendido depois de ter sofrido um atropelamento, a dona-de-casa Célia Azevedo de Andrade lamentou, na tarde de ontem, não ter R$ 10 na bolsa. O dinheiro, apesar de pouco, serviria para que o filho fosse atendido com mais rapidez no Hospital Souza Aguiar, onde funcionários, segundo ela, cobravam para que o rapaz furasse a fila da emergência. - Ele foi atropelado à meia-noite de sábado e até agora (15h) não conseguimos atendimento. É uma pena que eu não tenha os dez reais para ele entrar logo - chorava Célia.

O filho de Célia, Marcelo Azevedo, 24 anos, pilotava uma moto na Avenida Brasil quando foi atropelado por um carro. Ele bateu com a cabeça no chão, ferindo os olhos, e a mãe o levou ao Hospital Central da Polícia Militar. Como o pai de Marcelo é militar da reserva, ela achou que conseguiria socorro para o filho. Chegando lá, recebeu a informação de que o hospital não estava realizando atendimento oftalmológico e que o melhor seria ir ao Souza Aguiar. No entanto, quando o JB procurou saber quais setores do hospital da PM não estavam funcionando, foi informado que todas as especialidades recebiam pacientes normalmente, inclusive a oftalmologia.

No Souza Aguiar, Célia se deparou com uma fila de mais de 30 pessoas. Implorou para que fizessem ao menos um curativo nos olhos do filho, que sangravam muito. O que ouviu foi uma proposta de um funcionário, anunciando o valor da vaga: R$ 10.

- Como eles têm coragem de cobrar por uma vida? - intrigava-se Joelma Azevedo, prima de Marcelo, que, sem pagar o pedágio, só foi atendido às 17h.

A dona-de-casa Rosimeri Fernandes chegou às 13h ao hospital levando a filha de cinco anos, com dores de barriga, para ser atendida. Ela viu quando um rapaz pagou para ser socorrido.

- Ele estava com caco de vidro num dos olhos, desesperado - contou Rosimeri. Ela não quis pagar e preferiu esperar até que sua senha fosse chamada, o que só aconteceu às 16h.

Procurados para esclarecer a denúncia, nenhum funcionário quis se pronunciar. O homem acusado de recolher o dinheiro também não foi encontrado. O presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Paulo Pinheiro (PT), não duvidou da possibilidade de cobrança por vagas.

- Do jeito que está a crise na saúde, tudo é possível. Mas é extremamente necessário que as pessoas denunciem o funcionário ao policial de plantão para que seja preso em flagrante - disse o deputado.

As filas também são um tormento no Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, que ficou fora da intervenção. Para serem atendidos, alguns pacientes chegam a pegar seis filas, do momento que chegam até serem liberados. Na espera, misturam-se acidentados, gente que espera atendimento ambulatorial e até quem foi só em busca de um remédio.

- Estive aqui na quinta-feira por causa de fortes dores de cabeça. Fui atendida por um ortopedista que me receitou um antinflamatório para problema cervical, mas não sinto nada na coluna - contou a representante comercial Sônia Vieira, que voltou ontem à unidade sentindo a cabeça ''latejar'' e foi atendida por outro ortopedista, que lhe receitou uma injeção de analgésico.

Sônia enfrentou quatro filas até deixar a unidade. Assim como outros pacientes, incluindo aqueles em estado mais grave, ela teve que passar por uma fila de triagem, depois em uma para entrar na emergência, em outra para ser atendida pelo médico e, por último, na fila para tomar a injeção.

A dona-de-casa Rainer Nobre, que sofrera uma queda na noite anterior, percorreu o mesmo périplo e ainda teve que entrar em mais duas filas: para exame de raios-x e diagnóstico médico. As consultas de Rainer e Sônia, acompanhadas pelo Jornal do Brasil , duraram menos de dois minutos.