Título: Holanda aciona empresário que vendeu químicos
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, Internacional, p. A8

Um empresário holandês respondendo a processo por cumplicidade em crimes de guerra e genocídio, por vender produtos químicos para o Iraque, sabia que Saddam Hussein os usaria para fazer ataques com gás venenoso. Frans van Anraat, de 62 anos, é acusado de fornecer milhares de toneladas de agentes químicos que os militares iraquianos usaram na guerra contra o Irã, em 1980-1988, e contra a população curda do Iraque, inclusive em um ataque na cidade de Halabja, em 1988. O promotor Fred Teeven disse ao tribunal de Roterdã que Van Anraat continuou a fornecer produtos depois do ataque a Halabja, que matou 5 mil pessoas e que completa 17 anos esta semana.

- Van Anraat tinha consciência do fato de que os seus produtos seriam usados em ataques com gás venenoso. Os prejuízos e sofrimento causados não serão esquecidos rapidamente, se é que algum dia o serão - afirmou Teeven.

A defesa disse que seu cliente não sabia o que o Iraque pretendia fazer com os materiais e que interrompeu os embarques depois do massacre aos curdos. Além disso dizem que não há evidências convincentes de ligações entre o material fornecido e as armas químicas usadas pelo Iraque. Saddam e seu primo Ali Hassan al-Majid, conhecido como Ali Químico, estão sendo julgados por crimes de guerra, inclusive o ataque a Halabja, numa corte no Iraque.

Os inspetores de armas da ONU disseram que o réu foi um dos intermediários mais importantes de Bagdá. Primeiro holandês a ir a julgamento por acusações de genocídio, Van Anraat, que ficou em silêncio no tribunal, pode ser condenado até a prisão perpétua. A próxima audiência está marcada para junho. Iranianos e iraquianos que foram vítimas de ataques químicos têm planos de pleitear indenizações de até 10 mil euros cada, disse um advogado que representa o grupo. Um grupo de curdos fez uma manifestação fora do tribunal, com fotos das vítimas de al-Majid.

- É uma página negra na história curda - disse Sherzad Rozbayani, membro de uma organização estudantil.

As forças iraquianas atacaram Halabja depois que a cidade foi capturada por iranianos, o que foi considerado por Bagdá uma traição dos curdos. O ataque ganhou notoriedade quando jornalistas ocidentais foram levados ao local, ainda coalhado de corpos. Van Anraat foi detido pela primeira vez em Milão, em 1989, depois de um pedido dos EUA, mas foi libertado dois meses depois. Ele então fugiu para o Iraque, onde, acredita-se, ficou até a invasão, em 2003, quando voltou para casa.

O serviço secreto holandês, AIVD, forneceu um telefone celular ao empresário e o ajudou a encontrar moradia. Também garantiu que ele não seria levado a julgamento, revelaram os advogados de defesa. A prisão foi feita por agentes locais, em Amsterdã em dezembro. Van Anraat se preparava para deixar o país.

- As imagens do ataque com gás foram um choque. Mas não dei a ordem para que isso fosse feito. Quantos produtos, como balas, nós fabricamos na Holanda? - disse Van Anraat numa entrevista à revista holandesa Nieuwe Revu em 2003.

Uma investigação criminal conduzida pelos EUA descobriu que Van Anraat se envolvera em quatro embarques para o Iraque de um componente industrial do gás mostarda. Os promotores dizem ter provas de que ele tentou acobertar o destino de suas exportações, que o Iraque fez pagamentos com depósitos em contas na Suíça e que os produtos acabaram numa fábrica de gás venenoso no Iraque.