Título: O mundo cada vez menos seguro
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, Internacional, p. A8

Dois anos depois da invasão e ocupação americana no Iraque, país elegeu congresso mas guerrilha ainda dá as cartas

Há dois anos, pouco antes de entrar em cadeia nacional de rádio de TV para anunciar em tom grave a invasão unilateral ao Iraque, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, foi flagrado inadvertidamente rindo e brincando com assessores. Pouco depois, as primeiras bombas da aviação americana caíam sobre um restaurante de Bagdá, numa tentativa de assassinar Saddam Hussein. Nada mais de acordo com a imagem de um conflito baseado em uma falsa premissa (a existência de armas de destruição em massa no país árabe) que matou até agora mais de 1.500 americanos, 25 mil iraquianos, feriu milhares em ambos os lados e custa, até o momento, US$ 200 bilhões.

Apesar de terem implantado um regime em Bagdá que conduziu às primeiras eleições presidenciais e parlamentares em 56 anos, a opinião pública nos EUA e no resto do mundo vê um conflito ambivalente. A posse do primeiro congresso no país, quarta-feira, se choca com a facilidade com que a guerrilha sunita continua a realizar ataques em todo o país.

Para analistas políticos, no entanto, o aniversário da guerra chega em um momento que não causa preocupação à Casa Branca. Pelo contrário, com o público voltado para debates como as reformas da previdência, a discussão sobre o Iraque tornou-se um tema meio esquecido, ainda que a utilização de reservistas da Guarda Nacional na ocupação faça com que quase todas as famílias tenham algum conhecido em terras árabes.

O descontentamento existe, como mostra pesquisa divulgada pelo jornal Washington Post e pela rede ABC. Segundo o levantamento, 53% dos americanos crêem que a guerra não é justa (eram 75% há dois anos), 57% desaprovam a forma como a Casa Branca administra a confusão (eram 70% em 2003) e 70% acreditam que as perdas humanas americanas lá são inaceitáveis. Outros 41% dizem que o conflito prejudica a imagem dos EUA no exterior.

A percepção de Bush, no entanto é diferente. O presidente se reelegeu apesar da guerra e comemora o que diz ser um avanço no ambiente político do Oriente Médio causado pela intervenção no Iraque. Cita, além da eleição iraquiana (boicotada pelos sunitas), a ascensão pelo voto da nova liderança da Autoridade Palestina, a retirada dos soldados sírios do Líbano e até as primeiras eleições regionais na Arábia Saudita. A possibilidade de abertura em regimes como o de Mubarak, no Egito, igualmente é contabilizada.

- A estratégia de Bush, de mudar o foco do conflito para uma busca pela democracia foi acertada e bem sucedida - afirma ao jornal The Christian Science Monitor o professor John Allen Williams, da Loyola University, em Chicago. Com efeito, as manifestações oficiais de ontem seguiam essa linha.

- Os capítulos finais serão lucros históricos: o fim de um dos principais estados terroristas e a expansão da liberdade por toda essa região - afirmou o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, no Pentágono.

Nem todos concordam, como Sibley Telhami, professor da Universidade de Maryland e analista da Brookings Institute, para quem a guerra aumentou a repressão na região.

- As eleições podem ter sido animadoras para alguns, mas a maioria no mundo árabe, sunita, vê no Iraque um estado de anarquia e violência que não querem para eles e detestam a marginalização de seu grupo. Não o vêem como modelo de inspiração - disse.

No plano de política externa, a fase é de cicatrização das feridas após os esgarçamento causado pela decisão unilateral e ao arrepio da lei e das decisões das Nações Unidas, sem falar no impacto das denúncias de torturas a presos iraquianos em Abu Ghraib. As relações foram remendadas, já que a reeleição de Bush obrigou os opostos a voltarem a conversar, mas Washington continua sem convencer muitos de seus aliados a apoiarem a reconstrução. Há desconfiança quanto aos contratos e temor diante das ações selvagens da guerrilha, que impõe pesados gastos com a segurança.

Ainda contabilizando reflexos atuais, o custo humano do conflito cada vez mais indefinido está derrubando os níveis de recrutamento das Forças Armadas. Nem o aumento das gratificações de alistamento e dos seguros de vida das tropas reverte a tendência. E já há inúmeros casos de soldados fraudando exames de saúde para não serem enviados ao front.

A frágil coalizão militar igualmente dá sinais de fraqueza. Vários aliados importantes já se foram (Espanha), estão indo (Ucrânia, Holanda e Bulgária) ou querem ir (Itália).