Correio Braziliense, n. 21195, 05/06/2021. Brasil, p. 5

Entrevista - Marcelo Queiroga: “Preciso, sobretudo, da confiança do brasileiro”
Marcelo Queiroga
Bruna Lima
Maria Eduarda Cardim
05/06/2021



Chefe da pasta mais importante no combate à covid afirma que tem como prioridade acelerar a vacinação. No esforço de antecipar a chegada de imunizantes, ele anuncia a aplicação de 3 milhões de doses da vacina Janssen no mês de junho

Nos próximos dias, o Brasil sedia a Copa América ao passo que o país entra no período sazonal mais propício para agravamentos de doenças respiratórias, como é o caso da covid-19. A ameaça pela confirmação dos primeiros casos da variante indiana em território nacional provoca ainda mais preocupação em relação a uma terceira onda de infecções. O enredo é motivo de uma nova convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para voltar à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, na terça-feira (8). O gestor da pasta mais importante do enfrentamento à pandemia adiantou, em entrevista exclusiva ao Correio, ontem, os principais assuntos que devem pautar a sessão.

Na avaliação de Queiroga, não haveria motivo para a reconvocação, opinando já ter feito “os esclarecimentos devidos”. O foco, para Queiroga, é o Programa Nacional de Imunização (PNI). O ministro anunciou a chegada das primeiras doses da vacina contra a covid-19 da Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson, para o mês de junho. “Hoje (ontem) mesmo, fechamos com a Janssen para trazer mais 3 milhões de doses que serão aplicadas agora no mês de junho”, disse o ministro.

Em relação à Copa América, Queiroga entente que “a exigência da vacinação não é uma obrigação” para os que estão envolvidos diretamente no evento esportivo. A afirmação vai na contramão do que informou o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Para justificar a dispensa da vacina, Queiroga lembrou que os campeonatos nacionais já estão acontecendo no país. Leia a entrevista do ministro ao CB.Poder, programa realizado pelo Correio em parceria com a TV Brasília.

O senhor está há dois meses no comando do Ministério da Saúde. O que destaca?

Recebi a incumbência de comandar a pasta da saúde do senhor presidente da República, Jair Bolsonaro, há seis meses. É um grande desafio para qualquer um, é uma pandemia, é uma situação excepcional. Essa pandemia já infelicita a sociedade mundial há mais de um ano e precisamos dar respostas aos brasileiros que suscitam confiança em um futuro melhor para todos nós. Hoje a esperança se chama vacina. É um progresso da ciência ter vacinas contra a covid-19 em tão curto espaço de tempo. O presidente da República tem dito de forma reiterada a importância da vacinação. Mais de 100 milhões de doses foram distribuídas, que colocam o nosso país em uma posição de vanguarda porque estamos entre os cinco países que mais distribuíram doses de vacina com a sua população.

Mas só 12% da população recebeu as duas doses da vacina.

Temos trabalhado todos os dias para ter mais doses. No mês de maio, por exemplo, distribuímos mais de 30 milhões de doses. Isso dá para vacinar a população de Portugal, da Grécia, de Israel. No mês de junho, temos assegurado mais de 40 milhões de doses e firmamos o contrato de transferência de tecnologia entre a AstraZeneca e a Fiocruz para a produção de vacinas no Brasil com o IFA nacional. Isso é uma grande conquista. O compromisso do governo brasileiro é com o fornecimento de vacinas que sejam eficazes, que sejam seguras e que tenham efetividade. Eu posso aqui dizer que, até o final do ano, nós vacinaremos toda a população brasileira acima de 18 anos.

Muita gente diz que o Brasil poderia ter começado a vacinar antes. Como vê isso?

Eu acho que o que nós devemos é valorizar o nosso Programa Nacional de Imunização (PNI). Devemos levar confiança ao povo brasileiro para que eles possam realmente acreditar que essas vacinas estão disponíveis nas salas de vacinação. São 38 mil salas de vacinação espalhadas por todo o Brasil e, se tivermos doses suficientes, podemos vacinar até 2,4 milhões brasileiros [por dia]. A função que o presidente me deu foi de acelerar a campanha nacional de imunização. O governo trabalha de maneira articulada. Hoje (ontem) mesmo, fechamos com a Janssen para trazer mais 3 milhões de doses que serão aplicadas agora em junho. Nós não paramos de trabalhar.

Até o final do ano a população estará vacinada?

Nós já temos mais de 600 milhões de doses contratualizadas. O que queremos fazer é antecipar, ter mais doses agora nesse momento. Até porque vivemos, apesar de ser um país tropical, um momento de uma estação climática, sobretudo no Sul do país, mais fria, onde existe uma tendência maior de circulação do vírus e, assim, a possibilidade de novos casos. O programa nacional de imunização tem trabalhado estratégias para, se for o caso, oferecer mais doses para essas regiões, como também para os estados que fazem fronteira e naqueles locais onde é o momento epidemiológico é mais complexo, com ameaça de colapso no sistema de saúde.

Especialistas dizem que vem aí uma terceira onda da covid-19. O que está sendo feito para combater essa ameaça, com o número de mortes ainda muito alto?

O número de óbitos está elevado e isso decorre da gravidade da doença. Isso não é só no Brasil, vale salientar. Essa doença pressionou fortemente sistemas de saúde muito mais organizados, como o sistema de saúde da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Itália, da Espanha. Então, a gente precisa em primeiro lugar avançar a campanha de vacinação, em segundo lugar avançar a campanha de vacinação, e em terceiro avançar a campanha de vacinação. Em quarto lugar, insistir nas medidas não farmacológicas e, em quinto adotar, uma política de testagem que seja mais eficiente e já estamos fazendo isso. A expectativa é que testemos até 20 milhões de brasileiros todos os meses. Com esse tripé (vacinação, uso de medidas não farmacológicas e testes), vamos tentar diminuir a circulação do vírus.

Onde falhamos para o número de mortes ser tão elevado?

Não é uma questão de onde nós falhamos. Nós temos um sistema de saúde que tem 30 anos, é uma grande grande arma para o enfrentamento da pandemia. Mas eu pergunto a você: como estávamos antes? Com unidades de saúde fragilizadas, pronto atendimento e UPAs lotados, UTIs lotadas, filas para a realização de cirurgia. E essas vicissitudes também existem no setor privado. Diante de uma emergência sanitária de importância internacional como a covid-19, o nosso sistema responde como pode. Por exemplo, recursos humanos: precisamos preparar esses recursos humanos. Há uma carência de médicos intensivistas, mal distribuídos no Brasil, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Então, precisamos repensar o nosso sistema de saúde para que tenhamos melhores resultados.

E isso já está sendo feito?

Sim. Em relação a recursos humanos e médicos intensivistas,  mudamos a matriz de competência do treinamento do médico intensivista. Isso é uma ação da Comissão Nacional de Residência Médica. Antes o indivíduo tinha que cumprir um pré-requisito, hoje o acesso vai ser direto. Se não tivermos uma estrutura sólida quando enfrentarmos os inimigos como a covid-19, sobretudo dessa forma de síndrome respiratórias agudas graves, nós podemos ter muitas perdas.

Além da questão da necessidade de treinamento de pessoal, o Brasil também tem uma questão orçamentária que é muito difícil. Os R$ 20 bilhões que o presidente já anunciou para as vacinas são suficientes?

Você toca em um ponto importante. Qual foi a situação fiscal que esse governo recebeu? Complexa. O governo fez a reforma previdenciária, que estava aí pendente há muitos anos. No ano passado, apesar da dificuldade, o Congresso Nacional tem sido parceiro, e o Ministério da Saúde teve um orçamento com mais de 170 bilhões. Este ano, o orçamento do ministério é em torno de 144 bilhões. Eu tenho, em recursos para despesas discricionárias, zero. Então, os recursos são oriundos de emendas e créditos extraordinários. Tenho dialogado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que é um parceiro extraordinário, e ele tem nos assegurado que não faltará verbas para a saúde no Brasil.

O país vai sediar a Copa América. A gente sabe que é necessário uma estrutura de saúde para atender jogadores e os envolvidos no torneio. O Ministério da Saúde é quem vai prover essa estrutura?

A questão do sistema único de saúde funciona independente de competições esportivas. Vale aqui destacar que acontece o Campeonato Brasileiro de futebol nas diversas divisões, Taça Libertadores da América, Sul-Americana, eliminatórias da Copa do Mundo, estão acontecendo. O protocolo da CBF é rigoroso, elaborado com a participação de médicos infectologistas muito categorizados, e é feito o monitoramento. Casos (positivos) que acontecem com jogadores do campo são desprezíveis, de tal maneira que é um protocolo seguro. Essa demanda da Copa América partiu do presidente da República, e cumpre ao Ministério da Saúde verificar os protocolos da Conmebol e fazer sugestões para aprimorá-los e tornar seguro esse evento aqui no nosso país.

Acontece que nós estamos aí a menos de 10 dias dos jogos e não dá tempo de vacinar todo mundo, pelo menos com as duas doses recomendadas pela OMS. Como isso será feito?

Bom, como eu já falei, os campeonatos de futebol estão acontecendo, inclusive eventos internacionais e a exigência da vacinação não é uma obrigação. Vai acontecer na Olimpíada. Esse, sim, é um grande evento mundial do esporte.

Teremos pelo menos mais dois meses de CPI. O que pensa em dizer de novo para os parlamentares, uma vez que já esteve na CPI?

Eu já fiz os esclarecimentos devidos. Se os parlamentares acham que posso contribuir neste momento, na comissão parlamentar de inquérito, estou à disposição e agora eu vou mostrar o que todos os brasileiros já sabem, né? O que temos feito à frente do Ministério da Saúde.

Por exemplo?

Acelerado a campanha de vacinação fortemente. Fizemos um contrato adicional de 100 milhões de doses da vacina Pfizer; conquistado a confiança dos brasileiros; procurado harmonizar a relação entre os médicos. Eu falei acerca de protocolos de tratamentos e eu disse que iria encaminhar para a Conitec. Cumprimos exatamente o que está na lei.  Em relação à participação da Dra Luana (Araújo), eu não assisti ao depoimento.

Mas o senhor acha que ela foi bem? Dado o que repercutiu, porque foi tão divulgado.

Não assisti. A doutora Luana não foi nomeada e ela participou como colaboradora. O que eu posso dizer é que ela é uma pessoa que tem um bom currículo…

Tanto é que ela foi escolhida pelo senhor, não é, ministro?

Ela trabalhou comigo na elaboração de protocolo de testagem. No Ministério da Saúde, não discutimos esse assunto de tratamentos porque esse assunto eu já deliberei, no primeiro momento, que seria decidido na Conitec.Eu não fico assistindo depoimento na CPI, porque eu tenho que me concentrar em garantir que não faltem insumos nas CTI's.

Nem o resumo o senhor tem acompanhado?

Olha, eu vou dizer uma coisa. Não vejo rede social, não participo de grupo de WhatsApp, porque isso vai desviar meu foco.

Nem o grupo de ministros?

Não. Não participo de grupo do WhatsApp, não comento essas questões. Eu tenho único e exclusivo vacinação: vacinação da população brasileira.

A gente vê aí dentro do próprio governo, muitas vezes no próprio Palácio do Planalto, muita gente sem máscara. O senhor está conseguindo convencer as pessoas no Executivo de que isso é necessário, agora?

Nós tínhamos um Zé Gotinha e hoje nós temos um Zé Gotinha de máscara e uma família de Zé Gotinha de máscara em toda a Esplanada dos Ministérios. Isso não vai ser resolvido na base da lei. Isso vai ser resolvido na base do convencimento. Como bom brasileiro — e brasileiro não desiste nunca — eu não vou desistir nunca do que eu tenho que fazer aqui à frente do ministério. Eu tenho que ter foco, paciência, resiliência, mas, sobretudo, a confiança do povo brasileiro. É isso que eu tenho buscado fazer no Ministério da Saúde.