Título: Semana Santa
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Não devem ser admitidos, para receber a comunhão, políticos pró-aborto

A Semana Santa é um período fecundo em favores espirituais. Sem dúvida, uma oportunidade para profunda reflexão sobre a defesa da vida, os ensinamentos da fé cristã. A recordação da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo nos ajudará no cumprimento de nosso dever decorrente da Redenção do Gênero Humano.

No ano passado foi divulgada pela agência católica de informação Zenit a notícia sobre um problema de ordem pastoral: ''um político católico que apóie publicamente o aborto poderá receber a comunhão?''

Nos Estados Unidos, o Episcopado pediu aos políticos católicos um exame de consciência antes de comungar e que defendam, com seu trabalho legislativo, os não nascidos para que eles não sejam vítimas do aborto. Foi constituída uma comissão para elaborar um documento a ser apresentado à Conferência Episcopal, prevista sua realização em Denver, de 14 a 19 de junho próximo passado. Daí surgiu a declaração ''Católicos na Política'', que respondeu negativamente à pergunta, por 183 votos, com apenas 6 contrários. Os legisladores, mesmo que se declarem católicos, não podem participar da Sagrada Eucaristia caso sejam contrários aos ensinamentos da Igreja sobre a matéria. Os Pastores recordaram a 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios (Cap 11 vers 27 e ss). Na comunidade cristã, naquela época, havia graves divergências, inclusive doutrinárias e o Apóstolo Paulo, que recebeu de Jesus o encargo de evangelizar, corrigiu os desvios, cumprindo o seu dever.

A Igreja, difundida por todo o mundo, conta hoje com mais de um bilhão de pessoas que se declaram católicas. Ela é governada pelo Espírito Santo, através do Bispo de Roma, Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com o Papa. Sobressai a ajuda dos chamados Dicastérios que assessoram mais diretamente o Romano Pontífice em sua missão. As Congregações Romanas são de grande importância na divulgação da fé, e preservação da Doutrina. Os assuntos relacionados ao Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos são da alçada da Congregação que leva esse nome e é presidida atualmente pelo Cardeal Francis Arinze, originário da Nigéria, África. O referido Cardeal declarou, em fevereiro deste ano, que não devem ser admitidos, para receber a comunhão, políticos pró-aborto. À pergunta, insistente, se um político católico que apóia abertamente o aborto poderá receber a Comunhão, o Cardeal assim se expressou: ''A resposta é muito clara: diante de uma pessoa que afirma estar disposto a eliminar bebês não-nascidos, e em seguida, solicita a Santa Comunhão (...) por acaso é preciso uma resposta dada por um Cardeal do Vaticano?''

A Semana Santa de 2005 foi precedida, entre nós, por uma agitação em torno do ensino da Igreja sobre as células-tronco embrionárias e a ética. A figura central, ponto de referência é o ensinamento de Jesus Cristo, crucificado por cumprir sua missão. Essa doutrina, apesar de combatida, e após dois milênios, continua em pleno vigor. Aliás, recordo que entre nós, alguns, quando necessitavam do sustentáculo da estrutura eclesial, em defesa dos direitos humanos ou outros temas, batiam palmas à Conferência dos Bispos. Mudado o regime, logo introduzem o divórcio, que tanto mal tem feito, à luz da Fé cristã. Com o mesmo direito de discordar, a Igreja hoje eleva sua voz para repetir a condenação dos atos que redundam em suprimir a vida, dom de Deus.

O anticlericalismo, hoje, surge e cresce das mesmas fontes de ontem. Cabe à Igreja - pastores e fiéis - permanecer tranqüila, firme na fidelidade ao Magistério Eclesiástico. Não somos um partido político: somos o Corpo Místico de Cristo, que não deve ser profanado pelos que usam o nome de ''católicos'' - sem o serem na realidade - para retirar ou acrescentar doutrinas ao sopro dos ventos, no momento que vivemos. Ao lado dos que atacam a obra de Cristo, cresce o bom Povo de Deus, fiel ao Senhor Jesus. As vozes que costumam chegar ao grande público nem sempre refletem a autêntica comunidade eclesial.

Na longa vida da Igreja, os sofrimentos, perseguições têm sido uma constante. Nesta Semana Santa procuremos examinar objetivamente os ataques à atuação da Igreja. Ela é santa, pois é o Corpo Místico de Cristo e, por vezes, sofre de enfermidades decorrentes da fraqueza humana. O perdão pedido pelo Santo Padre se refere às deficiências, conseqüência do pecado. O fiel que se arrepende, sinceramente, sempre é perdoados e acolhido pelo Mestre. Cabe aqui uma observação: nestes dias, santificados pelo Sangue do Redentor, devemos nos interrogar se temos nos omitido, pelo silêncio, na correção dos desvios. Assim faremos brilhar, na comunidade dos fiéis, a beleza do Salvador do mundo. Não nos esqueçamos de que várias acusações contra a Igreja são faltas antigas, não mais existentes. Falam sobre fatos, verídicos ou não, julgados sob uma visão histórica muito diferente da época de sua realização.

A Semana Santa nos recorda o dever de santidade sobre o qual tem falado, tantas vezes, o Papa João Paulo II.

Pelas considerações que acabo de fazer, sugiro, nesse período do ano, a leitura do livro Cruzando o limiar da esperança, de João Paulo II, especialmente o capítulo ''Vida eterna''. Logo no início, o Santo Padre assim se pronuncia: ''Por favor, abra a ''Lumen Gentium'', no capítulo VII: É significativo que o Concílio nos lembre também o chamado universal à santidade na Igreja. No momento da história que vivemos, a civilização moderna se tornou pouco sensível ''às coisas finais'' (...). Em favor dessa insensibilidade agem a secularização e o secularismo, com a conseqüente atitude consumista, voltada para o gozo dos bens terrenos''.

Em meio à manipulação de dados contra a Igreja, defensora da vida, recordemos o túmulo aberto de Cristo, de onde jorram para nós a paz e a alegria.