Título: A epopéia da redemocratização
Autor: José Roberto Arruda
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, Brasília/ Opinião, p. D2

Deputado federal pelo PFL-DF

Foram muitos e penosos os anos que se passaram até que os brasileiros pudessem comemorar, em 15 de março de 1985, o reinício do regime democrático no País. Naquele dia histórico, tomava posse como presidente o hoje senador José Sarney, que assumia o comando da nação em meio à angústia geral com os problemas de saúde do presidente eleito Tancredo Neves, que mais tarde o levariam à morte.

Dos tempos da promessa de abertura lenta, pacífica e gradual no governo de Ernesto Geisel à entrega do poder aos civis foram idas e vindas durante as quais, muitas vezes, o país temeu pelo seu futuro. Os militares da chamada ''linha dura'' resistiam aos planos de redemocratização. A censura e a tortura ainda eram, mais que tristes palavras, fortes elementos na vida brasileira.

Em janeiro de 1976, o general Ednardo d'Ávila Mello é afastado do comando do 2º Exército depois das sucessivas mortes nas dependências do Doi-Codi do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho. No ano seguinte, o presidente Geisel exonera o ministro do Exército, general Sylvio Frota, por sua oposição à liberalização do regime. Em 77, um conjunto de medidas casuísticas e autoritárias conhecidas como o Pacote de Abril tenta frear o crescimento das oposições nas eleições. Sim, porque mesmo na camisa-de-força do bipartidarismo e sob severas restrições (o Ato Institucional nº 5 ainda estava em vigor) o povo manifestava, com o voto, seu descontentamento com o regime.

O céu político do país começou a se desanuviar quando, em 28 de agosto de 1979: é aprovada a lei da anistia. Retornam ao país centenas de brasileiros exilados e perseguidos, entre eles nomes nacionais como Leonel Brizola e Miguel Arraes, mas também muitos brasilienses, vítimas da intransigência e do autoritarismo.

Nas ruas, no campus da UnB, nas reuniões da Associação Comercial e da Ordem dos Advogados, a população do DF trabalhava, como de resto todo o povo brasileiro, pela reconstrução da democracia. Se os brasileiros sofreram com a derrota do movimento das diretas-já, a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral representou um bafejo de esperança na face da Nação. Se a tragédia e o destino impediram Tancredo de vestir a faixa presidencial, Sarney marcou a sua passagem pelo Palácio do Planalto pelo cumprimento integral de todos os compromissos da Aliança Democrática com o retorno do país à legalidade.

Dois meses depois da posse, emenda constitucional restabelece as eleições diretas para a Presidência e prefeituras das cidades consideradas como área de segurança nacional pelo Regime Militar. A mesma emenda concede o direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos e retira da clandestinidade os partidos comunistas. Em todos os anos de seu mandato, houve eleições no País, que em 1986 elegeu os constituintes que redigiram a Carta Magna de 88, sob a batuta e inspiração do saudoso Ulysses Guimarães. Para o DF, em especial, o pleito de 86 ficará marcado como o primeiro a que os nossos cidadãos tiveram direito a voz e voto.

Esse projeto de país erguido com o suor e a coragem de tantas pessoas foi lembrado em sessão solene na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, por minha iniciativa. Tivemos a oportunidade de homenagear atores daquele épico como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Maurício Corrêa, que à frente da OAB-DF lutou pela redemocratização; o ministro Ronaldo Costa Couto, do Tribunal de Contas do DF, secretário do governo de Tancredo, em Minas, ministro e chefe da Casa Civil no Governo Sarney; o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto do ex-presidente Tancredo e seu secretário particular, à época, e o ministro Valmir Campelo, do Tribunal de Contas da União, deputado constituinte pelo DF.

Lembrar 20 anos de redemocratização é saber como incluir os brasileiros que ainda sofrem com a miséria e as desigualdades. Para repetir a antológica frase de Tancredo Neves, ''enquanto um só brasileiro não tiver pão, letra, teto e trabalho, toda prosperidade será falsa''.

Recordar aqueles anos é estar atento para a necessidade de aprimoramento do nosso sistema democrático, eis que a democracia, dinâmica por definição, se não evolui para aprimorar-se, retrocede e cai no desprezo dos cidadãos. As experiências adquiridas no processo de redemocratização são um alicerce seguro para a construção da sociedade justa com que todos sonhamos