Correio Braziliense, n. 21197, 07/06/2021. Política, p. 2

O desgaste de Bolsonaro dentro das quatro linhas
Sarah Teófilo
07/06/2021



Para analistas, presidente sofre corrosão com a Copa América em qualquer cenário, independentemente de a Seleção jogar ou boicotar a competição. E avaliam que crise aumentou com o afastamento de Rogério Caboclo do comando da CBF

Ao anunciar a realização da Copa América, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro não calculava que daria início a mais uma crise política de seu governo. A realização do torneio colheu reações contrárias de vários setores da sociedade e chegou ao campo de jogo, envolvendo os atletas e o técnico da Seleção Brasileira, Tite — que deram a entender ser um erro a disputa da competição em pleno descontrole da covid-19 no país. A crise subiu mais um degrau, ontem, com o afastamento por 30 dias do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, personagem com o qual o Palácio do Planalto mantinha interlocução e contava para que debelasse as resistências dentro do elenco e da comissão técnica. O quadro se desenha como uma derrota para Bolsonaro dentro das quatro linhas — e no momento em que o país soma 473.404 mortos pela pandemia, segundo números coletados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Para analistas políticos, Bolsonaro fez uma aposta alta em bancar a Copa América. Professor de sociologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Geraldo Tadeu afirma que o afastamento de Caboclo piora muito a situação do presidente. Para ele, a mudança nesse momento pode significar que Tite seja mantido como técnico da Seleção — o que desagrada o Planalto e os bolsonaristas, que fazem campanha para que Renato Gaúcho ocupe o posto.

Jogo de perde-perde

Segundo Tadeu, o presidente mirou na vinda da competição para ajudar a desviar o foco dos problemas que vem enfrentando, como a CPI da Covid. "Não tem pão, vamos dar circo. Essa aposta foi feita de forma atabalhoada. Achou que todo mundo ia apoiar a ideia, só que se deparou com uma oposição importante. Se não for realizado (o torneio), é desgaste. Se for, também. O custo político é alto em todos os sentidos", afirma.

Mesmo que a Seleção não se negue a jogar — sobretudo se um novo técnico assumir e convocar jogadores que substituam aqueles que não aceitarem participar da competição —, o presidente deve enfrentar protestos, ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e críticas internacionais, segundo Tadeu. Ele avalia que uma rebelião dos atletas faz com que o cenário da pandemia no país não seja visto como mera oposição ao governo, mas "passe a ser uma questão popular, de grande repercussão". "Bolsonaro tentou uma cartada muito alta, em um momento de queda de popularidade. Provavelmente, não contava com a oposição dos jogadores", salienta.

Tadeu observa, ainda, que o boicote de jogadores e atual comissão técnica à Copa América se refletirá na cadeia política de bolsonaristas ligados a clubes e federações de futebol, eficientes instrumentos de influência política e eleitoral.

O analista político André Pereira César endossa a impressão de que a corrosão de Bolsonaro vem crescendo exponencialmente. Observa que utilizar um dos pilares da cultura brasileira e esporte mais popular do país, para tirar o foco da agenda negativa, tem sempre grandes chances de dar errado — sobretudo porque há precedentes históricos.

Bases mobilizadas

As bases do presidente acusaram o golpe. Alguns dos seus principais porta-vozes se movimentaram para tentar reverter o placar da deterioração, mobilizando as redes sociais contra o técnico Tite — eleito pelos bolsonaristas o culpado pela crise. Ontem, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) publicou um vídeo chamando o treinador de "hipócrita" e "puxa-saco" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Faço um apelo especial aos jogadores da Seleção. Não se deixem ser usados num momento como esse".

Cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira frisa que o presidente perde em qualquer cenário, seja com a realização ou não dos jogos. "O presidente não entendeu que é um jogo que ele não sairá vencedor", afirma.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis diz que, com a eventual negativa da Seleção, o presidente vê sua influência se reduzir "nesse espaço social importante que é o futebol". Para ele, o custo político aumenta com a saída de Caboclo do comando da CBF.

Frases

"(Bolsonaro) Achou que todo mundo ia apoiar a ideia, só que se deparou com uma oposição"

Geraldo Tadeu, professor de sociologia da UFRJ

"O presidente não entendeu que é um jogo que ele não sairá vencedor"

Adriano Oliveira, cientista político e professor da UFPR